quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Símbolos cristãos - o peixe


Peixe, Símbolo do Cristianismo?


Sim, o peixe foi um dos símbolos do Cristia­nismo. O peixe era alimento básico entre os ju­deu. Embora duas vezes tenha sido objeto de mi­lagre, e assim como o pão tornou-se símbolo de Cristo, assim também o peixe pôde ser lembra­do como provisão de Deus. Uma vez que o pei­xe era um alimento essencial, a profissão de pes­cador era comum. O Senhor Jesus usou a figura do pescador e da pesca para exemplificar o discipulado e a abrangência do Reino de Deus.
Os ministros de Deus são chamados pescado­res, porquanto procuram conquistar os homens para Cristo e para o reino (Mt 4:19; Mc 1:17; Lc 5:10).
Como símbolo cristão, a palavra grega para peixe, ichthys, era dividida como segue: / (Je­sus); ch (Cristo); th (de Deus); y (Filho); s (Salva­dor). A frase grega, por inteiro, era: Ieosous Christós Theou hyiós, Soter, ou seja: Jesus Cris­to, Filho de Deus, Salvador.


Tornando o mais famoso acróstico da Antigüidade e de toda a História, sem dúvida, foi criado pelos primitivos cristãos. Tomando as letras iniciais da frase grega Iesous Christós, Theou hyiós, Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador), que era escrita com uma palavra abaixo da outra, formou-se o acróstico ichthus (peixe), animal adotado como símbolo místico por esses religiosos. Eis o acróstico, em grego:
Além de ser o acróstico mais conhecido, esse foi também o mais perigoso em toda a História. A prática do Cristianismo só se tornou totalmente liberada no início do século IV. Durante o primeiro século da Era Cristã, os cristãos foram perseguidos e presos. Muitos deles faleceram nas arenas romanas, lutando contra leões. A associação de qualquer cidadão romano com esse acróstico, sinal secreto de adesão à doutrina cristã, bastava para que ele se tornasse uma vítima da intolerância religiosa do Estado romano.
Observe a imagem do peixe ainda preservada nas catacumbas romanas, onde os cristãos primitivos se encontravam para praticar secretamente o culto.

O Peixe foi um dos primeiros símbolos cristãos, os cristãos para se identificarem desenhavam no chão o peixe, assim podiam conversar sobre Cristo com outro cristão, sem correr o risco de ser morto por um perseguidor, hoje esse simbolo continua a ser usado por algumas denominações cristãs.

Esse mesmo acróstico foi parte central de uma das mais famosas e duradouras fraudes literárias da História, que alguns estudiosos consideram fundamental para a difusão do Cristianismo em seus primeiros séculos de existência.
Figuras do peixe no chão em mosaico na igreja da multiplicação dos pães em Tabgha - Israel

Fonte: http://pastoradaocarvalho.blogspot.com.br/2009/06/peixe-simbolo-do-cristianismo.html

O Império Romano (Parte 1/2) Série Grandes Civilizações - Vídeo-aula divertida e didática

O Império Romano (Parte 2/2)

domingo, 23 de setembro de 2012

Rattus Rattus - Rio de Janeiro 1904 - O Bota Abaixo de Pereira Passos



Rio de Janeiro, 1904. Um imigrante de 12 anos descobre uma maneira inusitada de ganhar dinheiro: caçando ratos. É que para combater a peste bubônica, o Diretor Geral de Saúde - Oswaldo Cruz, promove uma campanha de erradicação dos roedores pagando por cada animal capturado. Na época o Rio era a capital do Brasil, onde o prefeito Pereira Passos promovia um verdadeiro "bota-abaixo", transformando o centro da metrópole num imenso canteiro de obras. Nesse cenário devastado acompanhamos a perseguição de Heitor, o caçador que se percebe caça.

Um filme de Zé Brandão produzido no Copa Studio.

ERRATA: Crédito que faltou: FLÁVIO VOIGTEL - Animação

terça-feira, 26 de junho de 2012

História dos Estados Unidos em guerra, através dos quadrinhos.

Aula produzida pela Universidade de São Paulo
Faculdade de Educação
Disciplina: Ensino de História – Teoria  e Prática

Material complementar para a atividade de avaliação

Capitão América (Capas 1 ao 48)

Captain America 3 - Steve Epting

http://www.coverbrowser.com/covers/captain-america Acesso: 26/06/2012

Super Homem e o 11/09/2001


http://www.supermanofsteel.com/2007/09/11/superman-and-911-imagery-where-do-you-draw-the-line/
Acesso: 26/06/2012

Sites com outras imagens referentes a Segunda Guerra Mundial

Man, that globe looks PISSED.
http://hitlergettingpunched.blogspot.com.br/2009_12_01_archive.html Acesso: 26/06/2012

Imagens, quadrinhos soviéticos e sobre a participação soviética na Segunda Guerra Mundial

http://www.defenestrandoamendranga.com/2011/03/guerra-fria-nas-midias-2-quadrinhos-2.html Acesso: 26/06/2012

















































40tajos gados tika... Autors: Tiamo Komiksi Padomju savienībā.



domingo, 17 de junho de 2012

O processo de independência dos EUA

A LUTA PELA LIBERDADE
A imagem abaixo retrata a revolta dos colonos que, fantasiados de índios jogaram diversas caixas de chá de um navio inglês ancorado no porto de Boston, no mar. Esse acontecimento ficou conhecido como: "A Festa do Chá de Boston". Esse acontecimento marca o auge da crise entre a colônia e a sua metrópole. 
                                                                          
  












Todas as respostas deverão ser feitas no editor de texto do computador.
Esse acontecimento está relacionado a série de leis imppostas pela Inglaterra a sua colônia. Como por exemplo:
A Lei do Selo;
A Lei do Chá;
A Lei do Açúcar.
a) Sua tarefa é explicar o que determinava essas leis.
b) Explique a reação dos colonos a Lei do Chá.
c) O que foram as Leis Intoleráveis?
d) Quais as consequências dessas leis para a mudança na relação entre a colônia e a sua metrópole?

Após responder essas perguntas, leia o texto abaixo e assista os dois trechos do documentário produzido pelo History Chanel. Agora você já está preparado para o nosso desafio.

"A Independência dos Estados Unidos destrói a unidade do sistema colonial, colaborando decisivamente para a derrocada do Antigo Regime. As 13 colônias, estabelecidas a partir do século XVII no território norte-americano, contam, nas últimas décadas do século XVIII, com mais de 2 milhões de colonizadores. No centro – Pensilvânia, Nova York, Nova Jersey e Delaware – e no norte – Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island e Connecticut – europeus exilados por motivos políticos ou religiosos vivem em pequenas e médias propriedades.
Embora a Inglaterra proíba o estabelecimento de manufaturas nas colônias, a incipiente indústria do centro-norte não é incomodada pelas autoridades, pois não compete com o comércio da metrópole.
No sul – Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia – predomina a grande propriedade rural, ocupada pela monocultura dirigida à exportação e tocada pela mão-de-obra escrava, com pouco espaço para o trabalho livre. Os nortistas, no entanto, atravessam as fronteiras e concorrem com o comércio metropolitano, levando a Inglaterra a endurecer a política com as colônias.
Influência da Guerra dos Sete Anos
Travada de 1756 a 1763 entre a Inglaterra e a França e vencida pelos ingleses, transfere para a Coroa britânica a maioria das possessões francesas, incluindo as terras situadas na América, a oeste das 13 colônias. Como os colonos norte-americanos não haviam contribuído para o esforço militar inglês, o Parlamento decide cobrar deles os custos da guerra, aumentando as taxas e reforçando os direitos da Coroa no continente."
http://www.youtube.com/watch?v=2u2BLpdGqrw

a) Qual foi o fundamento ideológico do processo de independência das colõnias inglesas da América do Norte?
b) Qual a importância dos setores populares, principalmente dos escravos, na revolta das Treze Colônias Inglesas?
c) Partindo da análise da imagem, do texto e dos vídeos, elabore, em grupo de 3 a 4 alunos uma história em quadrinhos.
ATIVIDADE COMPLETAR
Assistir o vídeo da série: Heróis do Humanidade sobre George Washington e elaborar um texto relacionando-o com o seus estudos.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Crise de 1929

Atividades
1) Comparar o esquema resumo abaixo com o que foi entregue em sala de aula e completar com as informações contidas nesse novo esquema.
2) Assistir a apresentação elaborada pelo professor Rui e fazer um resumo por escrito da apresentação.
Esquema Resumo - Crise de 29


Apresentação do professor Rui Neto numa aula de História do 9º ano sobre a Crise de 1929 ou Grande Depressão

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Decifra-me ou te devoro

Excelente jogo sobre o Egito no site do Discovery Channel. Nesse jogo você deve resolver algumas tarefas e responder algumas perguntas para receber o pergaminho e vencer o jogo.
Muita atenção e raciocínio é essencial para desvendar o enigma da pirâmide.
Para jogar e aprender é só acessar o link abaixo da imagem.



terça-feira, 22 de maio de 2012

República Velha

A República Velha

Prof. Leonardo Castro

     Os militares mantiveram-se no comando da República nos primeiros quatro anos de existência do novo regime. Foi o período dos governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, de 1891 a 1894.
     Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República, de inspiração liberal-democratica e que tinha como pontos principais: a divisão e indenpendência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); o regime federativo presidencialista; voto universal masculino não-secreto, com excessão dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos; igualdade juridica dos cidadãos (“todos são iguais diante da lei”); direito de propriedade; liberdade de crença, de associação e expressão; laicização do ensino público; separação entre o Estado e a Igreja; autonomia dos estados.

Texto e Contexto

“Sendo função social antes que direito, o voto era concedido àqueles a quem a sociedade julgava poder confiar a sua preservação. No Império, como na República, foram excluídos os pobres (seja pela renda, seja pela exigência da alfabetização), os mendigos, as mulheres, os menores de idade [menores de 21], as praças de pré (soldados e marinheiros), os membros de ordens religiosas. Ficava fora da sociedade política a grande maioria da população.
Algumas mudanças, como a eliminação do Poder Moderador, do Senado Vitalício e do Conselho de Estado e a introdução do federalismo, tinham sem dúvida inspiração democratizante, na medida em que buscavam desconcentrar o exercício do poder. Mas, não vindo acompanhadas por expansão significativa da cidadania política, resultaram em entregar o governo mais diretamente aos setores dominantes, tanto rurais quanto urbanos.”

(CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pp. 43-46.)

     Com a posse do paulista Prudente José de Morais na Presidência, em 1894, o poder passava das mãos dos setores militares para os políticos liberais. A base político-social desses políticos eram as oligarquias agrárias do Sudeste, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais, representadas por seus respectivos partidos, o PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido Republicano Mineiro).
     Daí até 1930 foram quase quatro décadas de hegemonia política dos dois partidos, PRP e PRM. A alternância no poder, que consagrou a hegemonia política dos dois estados, ficou conhecida como República do café-com-leite.




República do Café com Leite. Caricatura de Oswaldo Storni, sobre as eleições presidenciais de 1910.


     As elites paulista e mineira precisavam de apoio de outros estados para governar. Ao mesmo tempo, os partidos eram organizados de forma regional, em cada estado um grupo controlava o poder.
  Durante a presidência de Campos Sales (1898-1902), os acordos tornaram-se em um grande pacto de dominação, conhecido como política dos governadores. Tratava-se de um acordo para garantir o controle do poder, onde o presidente dava seu reconhecimento e apoio aos candidatos dos governos estaduais nas eleições regionais e recebia em troca o apoio desses governos ao candidato oficial na eleição presidencial. Além disso, os governos estaduais se comprometiam a eleger bancadas no Congresso Nacional que apoiassem a política do governo federal.



Café com Leite. Charge do desenhista Storni, Revista Careta.

     Em relação às eleições, vale lembrar que o voto não era secreto, como hoje. O eleitor votava sob o olhar do presidente da mesa eleitoral. Assim, o governo dominante em cada estado ganhava geralmente as eleições porque controlava todo o processo eletivo, desde o registro de eleitores e candidatos até a apuração dos votos, o reconhecimento e a diplomação dos candidatos eleitos por meio da Comissão de Verificação de Poderes, no Congresso Nacional, que era uma comissão especial controlada pelos governistas que estavam no poder que analisava se o eleito era a favor ou contra o governo, se fosse contra era impedido de tomar posse, isto se chamava de degola.
     Para esse mecanismo de controle funcionar, era preciso do apoio dos chefes políticos regionais e locais, os coronéis, que garantiam o voto dos eleitores de sua área de influência aos candidatos governistas.
     Os coronéis eram os líderes políticos do interior, geralmente grandes proprietários de terras, mas entre eles havia também comerciantes, médicos, padres ou advogados. Eles eram a base de sustentação política das oligarquias, representantes e beneficiários do governo estadual nos seus municípios. Controlavam a política nas suas localidades com a autoridade recebida do partido republicano, com poderes para obrigar o eleitorado a votar nos candidatos por ele indicado. Seus métodos de ação eram o clientelismo, ou seja, a relação de dependência entre o eleitor e o coronel por meio de proteção e favores aos clientes (emprego, escola, etc.), e a força bruta.



O voto de cabresto, charge de Storni, revista Careta Rio de Janeiro, 1927.

Texto e Contexto

“Para os amigos pão, para os inimigos, pau...; aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei.”
(Expressões usadas por chefes políticos da República Velha, citadas por Victo Nunes Leal em sua obra Coronelismo, enxada e voto. p. 39.).

     O sustentáculo da estrutura oligárquica era o pacto entre as elites agrárias, isto é, a política dos governadores. O mundo que deu origem a essa política era o agrário rural. Este teve dificuldades para lidar com os problemas nascidos do processo de crescimento das cidades e do aparecimento de camadas sociais desligados do mundo rural.
     O crescimento urbano criou demanda e tensões que o pacto oligárquico não resolvera. Por exemplo, as camadas médias e populares das cidades exigiam maior participação política e melhores condições de vida e de trabalho. As oligarquias não estavam interessadas em atender tais reivindicações. A resposta era invariavelmente o uso da força, as questões sociais tornaram-se em caso de policia.
     Na área rural, o empobrecimento da população e a luta pelo uso da terra, tendo como resposta a brutalidade dos coronéis e o descaso do poder público, deram origem a conflitos como o de Canudos e do Contestado. 
     Nas cidades, o clima era de modernização, mas esta não beneficiava a maioria da população. Não havia leis de proteção ao trabalhador nem legislação trabalhista, e a melhoria da infra-estrutura nas cidades não beneficiavam a maior parte da população. Tal situação levou a agitação operária e a conflitos urbanos, como a Revolta da Vacina.

Texto Complementar

Voto de Cabresto
    Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras.
     Esta ascendência resulta muito naturalmente da sua qualidade de proprietário rural. A massa humana que tira a subsistência das suas terras vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. (...) o roceiro vê sempre no “coronel” um homem rico, ainda que não o seja; rico, em comparação com sua pobreza sem remédio. (...) É, pois, para o próprio “coronel” que o roceiro apela nos momentos de apertura, comprando fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas mesmas condições, para outras necessidades.
     O trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. (...) O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.
     Há ainda as despesas eleitorais. (...) São, pois, os fazendeiros e chefes locais quem custeiam as despesas do alistamento e da eleição. (...) Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos, e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e comparecimento.
     É, portanto, perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe é completamente indiferente.
(LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975. pp. 19-39.)

Eleições na República Velha

     Duas falsificações mais importantes dominavam as eleições da Primeira República: o bico de pena e a degola ou depuração. A primeira era praticada pelas mesas eleitorais, com funções de junta apuradora: inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos, e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena toda-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos. A segunda metamorfose era obra das câmaras legislativas no reconhecimento de poderes: muitos dos que escapavam das ordálias, isto é, das fraudes nas mesas eleitorais, tinham seus diplomas cassados na provação final pela Comissão de Verificação de Poderes, que determinava se um candidato eleito podia tomar posse ou não.

(LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975. pp. 229-230.)


Fonte:http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/republica-velha.html

Coronelismo

ASCENSÃO E QUEDA DO CORONELISMO


Coronéis da República Velha
O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho próspero. Ele não só marcou a vida política e eleitoral do Brasil de então como fez por contribuir para a formação de uma clima muito próprio, cultural, musical e literário que fez da sua figura um participante ativo do imaginário simbólico nacional. Não só os homens de letras procuraram reproduzir em seus livros o que era viver sob o domínio de um coronel, como os feitos e as façanhas deles foram transmitidas, a luz de velas, de lamparinas e de lâmpadas, pela história oral do avô para o seu neto, fazendo com que quase todo mundo soubesse de uma "história" ou "causo do coronel". Identificado com o Brasil do passado, agrário, rústico e arcaico, ele ainda sobrevive em certas comarcas e em certos estados do Nordeste brasileiro como o poderoso "mandão local", uma espécie de velho barão feudal que, desconsiderando as razões do tempo e da época, insiste em manter-se vivo e atuante.

Barões do café, antepassados dos coronéis

As Origens Remotas do Coronelismo


A Guarda Nacional, o cidadão em armas
O coronelismo institucional surgiu com a formação da Guarda Nacional, criada em 1831, como resultado da deposição de dom Pedro I, ocorrida em abril daquele ano. Inspirada na instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789, a "guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o poder armado dos proprietários que passaram a patrulhar as ruas e estradas em substituição às forças tradicionais, derrubadas pelos revolucionários. Para ser integrante dela era preciso pois ser alguém de posses, que tivesse recursos para assumir os custos com o uniforme e as armas necessárias (200 mil réis de renda anual nas cidades e 100 mil réis no campo).

Coronel, Sinônimo de Poder


Um mocambo, símbolo da pobreza
O governo da Regência (1831-1842) colocou então os postos militares à venda, podendo então os proprietários e seus próximos adquirirem os títulos de tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional (não havia o posto de general, prerrogativa exclusiva do Exército). Assim é que com o tempo, o coronel passou automaticamente a ser visto pelo povo comum como um homem poderoso de quem todos os demais eram dependentes. Configurou-se no Brasil daqueles tempos uma clara distinção social onde os representantes dos dominantes eram identificados pelo rango militar (coronel, major, etc..) enquanto que os dominados pelo coronel o eram pela visível identificação genérica de "gente", ou a zoológica "cria" (sou "cria" do coronel fulano).

Coronelismo, Caudilhismo e Caciquismo


Aparício Saraiva, caudilho platino
O coronelismo na história política nacional nada mais foi do que a expressão brasileira de um fenômeno tipicamente ibérico, o do caudilhismo ou do caciquismo. Toda a vez que na Península Ibérica, por uma razão qualquer, o poder político central ficou abalado, enfraquecido, deu-se a ascensão do chefe provincial ou local que adquiria expressão militar e jurídica própria. O caudilhismo nasceu na Espanha medieval em luta contra os mouros, quando um rei dava a um chefe militar ou um aventureiro qualquer que o solicitava uma "carta de partida", que o autorizava a recrutar homens e a arrecadar recursos para lutar na cruzada contra os homens do califa muçulmano. Foram célebres as façanha de Cid, o campeador, que lutou e integrou Valencia ao reino da Espanha no século XI, sendo desde então considerado como a patriarca de todos os caudilhos que se seguiram.

A Geografia do Mandonismo Local


Coronéis de todos os tipos
O caciquismo é historicamente bem mais recente. Nasceu da Constituição liberal adotada na Espanha de 1837, que ao outorgar um significativa parcela de poder aos municípios, contra a posição centralista dos conservadores, promoveu a emergência do cacique. Esta expressão de clara influência vinda da América, serviu para definir a situação que um chefete municipal passou a usufruir dentro do sistema político da monarquia espanhola desde então (desaparecido com a implantação da Ditadura Franquista, entre 1936-1975). Quanto à geografia desse fenômeno político, pode-se dizer que enquanto os coronéis imperavam pelo Brasil afora, os caudilhos eram comuns na América hispânica, especialmente na região do Rio da Prata, ficando o México como o principal centro do poder dos caciques.

O Cenário do Coronelismo


Delmiro Gouvea, uma raridade
O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do mundo rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho, a fazenda e a estância. Um universo próprio, interiorano, bem afastado das grandes cidades, isolado do mundo. As comunicações eram raras e difíceis, feitas por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete, ou na sela do cavalo, puxando os arreios da mula ou do jerico. Na verdade, o coronel, personificação mais acabada do poder privado no Brasil, mandava num pequeno país do qual ele era um imperador com poder de vida e morte sobre os seus (ainda que não reconhecido juridicamente).
Os moradores eram-lhe inteiramente obedientes, poucos ousando desafiar-lhe a autoridade ou disputar-lhe o mando, a não ser que por perto um outro coronel o desafiasse. Praticamente ninguém ao redor dele era instruído, sendo comum entre os considerados alfabetizados apenas saberem desenhar o nome no papel, o suficiente para que se tornassem eleitores fiéis dos candidatos propostos pelo coronel.
Estudos posteriores sobre o coronelismo, mostraram entretanto que ele não se compunha apenas por proprietários de terras, havendo igualmente coronéis com outra posição social, tais como o coronel-comerciante, o coronel-industrial (o célebre Delmiro Gouveia, de Alagoas), o coronel-padre(como o padre Cícero no Ceará, o mais famosos líder do catolicismo popular e ídolo dos sertanejos).

Escassez e Solidão


O feudo de um coronel
Materialmente o mundo dos coronéis era povoado pela escassez de tudo e pela pobreza quase que absoluta, quando não miséria dos moradores, o que explica a enorme dependência que todos tinham dele.
Ele era um pode-tudo a quem era preciso recorrer nas mais diversas situações, sendo portanto compreensível que o coronel exigisse daqueles que se qualificavam como votantes, o compromisso da fidelidade. Na ausência quase que absoluta do Estado, era o coronel quem exercia as mais variadas funções, sendo simultaneamente o detentor do poder político, jurídico e legislativo do município que lhe cabia, fazendo com que sua autoridade cobrisse todos espaços daquela geografia da solidão que era o seu feudo. 

A Estrutura do Coronelismo


Um potentado em férias em Poços de Caldas/MG
Os estudiosos dividiram o coronelismo em três tipos; o tribal, o personalista e o colegiado. O tribal parece um patriarca de um clã, cujo poder se espalha por vários municípios e deriva dele pertencer a uma família tradicionalmente poderosa.
O personalista deve tudo ao seu carisma pessoal, a ter certos atributos que são só dele e são impossíveis de transmitir por herança, geralmente desaparecendo com sua morte.
Por último, o colegiado, aqueles que são mais estáveis, e que dirigem os negócios políticos em comum acordo com outros coronéis sem que haja grandes desavenças entre eles. As bases do seu poder são:

a) A terra

Num país de dimensões agrárias tão vastas, a riqueza dos indivíduos era medida pela extensão da propriedade. Logo era fundamental para a afirmação e continuidade do poder do coronel ele possuir significativas extensões de terra.

b) A família

Ou a parentela, como prefere Maria Isaura Pereira de Queiroz, permitia ao coronel por meio de casamentos arranjados ampliar o seu domínio, colocando gente do seu sangue e da sua confiança em todo os escalões do poder municipal e estadual.

c) Os agregados

A imensa quantidade de parentes distantes, compadres, afilhados e demais protegidos do coronel, que ajudavam a estender o poder dele para fora da família núcleo (a gente do seu próprio sangue), permitindo que sua autoridade se espalhasse para regiões bem mais distantes do que a do seu feudo.

A Política do Coronelismo


O padre, o militar e o coronel, os três poderes do Brasil arcaico.
Os republicanos de 1889 ficaram surpreendidos pelo vigor do sistema coronelístico. Apesar de ampliarem os direitos de voto, assegurando aos alfabetizados poderem tornar-se eleitores, rapidamente verificaram que a universalização do sufrágio não redundou no enfraquecimento dos coronéis. Ao contrário, como os cidadãos votantes eram poucos (talvez os que soubessem ler e escrever, um século atrás, mal atingissem os 20% da população inteira), facilmente eles foram conduzidos pelos apaniguados dos mandões, especialmente no interior do País, a comportarem-se com docilidade.
O voto de cabresto foi decorrência disso. O eleitor trocava o seu voto por um favor. Este poderia ser um bem material (sapatos, roupas, chapéus, etc.) ou algum tipo de obséquio (atendimento médico, remédios, verba para enterro, consulta médica, matrícula em escola, bolsa de estudos, etc.). Esta placidez obediente dos que tinham direito a votar fazia com que eles fosse integrantes do curral eleitoral. Ao comportarem-se nas eleições tais como bois mansos era inevitável que os considerassem como gente de segunda classe, incapaz de reagir ao despotismo do manda-chuva.

Fraudes e Folclore

Os coronéis, enfim, fizeram o processo eleitoral republicano funcionar a favor deles, colaborando para isso o fato do desaparecimento do poder unitário (representado pelo imperador), em detrimento dos poderes regionais e, em seguida, dos municipais. Para ampliar ainda mais o seu mando tornaram-se comuns práticas ilícitas de manipulação eleitoral, tais como o eleitor-peregrino (o sujeito que votava diversas vezes) ou o eleitor-fantasma (não davam baixa dos mortos das listas eleitorais, permitindo que alguém votasse em nome deles, fazendo deles "defuntos cívicos" que levantavam da tumba para irem até as juntas eleitorais), e mais toda uma série de trapaças outras que pertencem ao riquíssimo folclore político brasileiro.

Mecanismos de Poder

Para chegar ao povo votante, o coronel ativava o cabo eleitoral, alguém prestativo do seu meio que, em troca de favores, assumia o papel de porta-voz das inclinações eleitorais do coronel. Em outros acasos, convocava algum líder local próximo para que também arrebanhasse os votos para o seu candidato. O resultado das eleições quase sempre passava pelo crivo de um seu representante no conselho eleitoral, alguém que, em seu nome, vigiava para que o resultado final satisfizesse os partidários do coronel. Observe-se que a não existência do voto secreto (adotado após a Revolução de 1930), facilitava o controle sobre o eleitor, aumentando-lhe o constrangimento. A fraude, portanto, imperava na época da República Velha, ela era, por assim dizer, a expressão acabada do mandonismo dos coronéis, demonstrativo da impotência e das limitações da democracia brasileira. Se nas cidades ainda funcionavam os empolgantes comícios, o universo político do coronel movia-se pelo cochicho, pelo conchavo e pelo cambalacho.
Instrumentos de Coerção: o Pistoleiro e o Jagunço

O rebenque, instrumento de "paz social"
O coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza do tipo de dominação que ele exercitava implicava na adoção de métodos coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos. As linhas da violência dirigiam-se em dois sentidos, no horizontal quando o coronel travava uma disputa qualquer com um outro rival do seu mesmo porte, e no vertical, quando ele desejava impingir alguma coisa aos de baixo ou que se negavam a aceitar a sua guarda. Para o exercício efetivo disso, ele contava com dois elementos básicos: o pistoleiro contratado para atuar a seu serviço, geralmente um capanga da sua confiança, ou um grupo de jagunços, um bando de caboclos dedicados ao ofício das armas que serviam-lhe como uma milícia privada, vivendo à sombra da sua autoridade. Inúmeras vezes, como mostrou Guimarães Rosa (Grande Sertões: veredas, 1956) o mataréu brasileiro foi ensangüentado pela batalhas travadas por esses exércitos de jagunços, atraídos pela aventura, pelos favores e pela macheza do coronel que os comandava. Porque, como assegurou o seu personagem Riobaldo, o sertão era tão bravo que "Deus mesmo, quando vier, que venha armado!"

A Pirâmide do Poder do Coronelismo


Souza e Mello, comerciante e dono de engenho

O Apogeu do Coronelismo


Senador Pinheiro Machado, morto em 1915
Ao legar ao seu sucessor um mecanismo político mais estável do que aquele que herdara, o presidente Campos Salles fundou um sistema de troca de favores que, partindo do executivo federal, espalhou-se pelo pais inteiro. De certa forma aquilo que convencionou-se chamar de política dos governadores, implementada em 1902, lembra, na sua simplicidade, o toma lá, dá cá, praticado nos antigos reinos medievais. Naqueles tempos, os monarcas se sustentavam com o apoio dos condes, estes dos barões, e assim sucessivamente até chegar-se ao vilão ou ao pároco da aldeia, envolvendo todos eles num sistema mútuo de fidelidades e compromissos. O presidente da república exigia que os governadores lhes enviassem bancadas concordes com a sua política. Em troca, ele sustentava as propostas regionais dos governadores (inclusive com apoio militar se fosse preciso). Estes por sua volta articulavam-se com os coronéis do seu estado, fazendo com que também eles mandassem para a assembléia legislativa na capital do estado, deputados acertados com os interesses políticos do governador.

A Comissão de Verificação


Campos Salles (1898-1902)
Afim de garantir-se do cumprimento dessa política, o presidente fez com que o Congresso por ele controlado instituísse a Comissão de Verificação de Poderes (dizia-se que por sugestão do senador gaúcho Pinheiro Machado), formada por cinco parlamentares com a função de apurar se os deputados eleitos nos estados realmente estavam comprometidos em vir dar o seu apoio ao presidente. Para a comissão, não havia maior significado o parlamentar ter recebido ou não os sufrágios necessários, mas unicamente se ele estava disposto a cumprir com o acertado entre o governador do seu estado e o presidente da república. Isso é que explica porque o governador da Bahia, José Bezerra, ter dito, ao redor de 1920, "ser eleito é uma coisa, ser reconhecido é outra". Frase que é uma variação daquela outra atribuída a Pinheiro Machado, que assegurou a um oposicionista "eleito o senhor foi, o que não vai ser é diplomado."

Um toma lá, dá cá


O centralismo de Vargas opôs-se ao coronelismo
Um enorme mecanismo de favores e contrafavores, principiando nas fraldas de qualquer município brasileiro estendia-se assim, passando antes pelo palácio do governador, até chegar ao centro do poder no Palácio da Guanabara do Rio de Janeiro. Durante quase um trintênio esse sistema funcionou a contento. Se pecava contra a educação democrática do povo, ao viciar completamente os resultados eleitorais, trouxe pelo menos uma certa estabilidade invejável à turbulenta e instável crônica política brasileira. Mesmo quando ele foi sacudido pelas várias revoltas promovidas pelo Movimento Tenentista (em 1922, 1924 e 1926), ele mostrou-se hábil em sobreviver.

A Crise do Coronelismo


Osvaldo Aranha, lutou contra os coronéis gaúchos em 1923
A Guerra da Princesa, travada por João Pessoa, governador da Paraíba, contra um poderoso coronel do sertão chamado José Pereira, o Zé Pereira, desde que tomara posse em outubro de 1928, resumiu e antecipou o que iria ocorrer no Brasil a partir do sucesso da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
Centralizador e autoritário, durante os quinze anos seguintes Vargas praticou medidas para o irreversível esvaziamento do poder dos coronéis. O voto secreto e o voto feminino (inicialmente somente de funcionárias públicas) foram dois dos instrumentos utilizados para isso. Valorizando o sufrágio urbano, aumentando-lhe a presença eleitoral, ele contrapôs o poder das novas forças emergentes (operários, funcionárias) ao dos potentados rurais. Com a adoção dos interventores e dos intendentes, agentes do governo central enviados para administrar os estados e os municípios, foi inevitável o encolhimento da autoridade local. Portanto, foi fundamental para que o coronelismo se eclipsasse a emergência de um executivo federal forte e cada vez mais poderoso.
Situação que reforçou-se ainda mais com a proclamação da ditadura do Estado Novo em novembro de 1937. A industrialização, o crescimento demográfico, a imigração para as cidades, características do Brasil pós-1945, só fizeram por acelerar ainda mais o declínio do coronelismo.

A Revivência do Coronelismo


O general Costa e Silva articulou-se com o coronelismo
Com o Golpe Militar de 1964, que derrubou a república populista de João Goulart, ocorreu um estranho e contraditório fenômeno. Os militares que ascenderam ao comando do país naquela ocasião, com o objetivo de implantar o seu Projeto do Brasil Grande (a ambição de tornar o país uma potência de médio porte), e, ao mesmo tempo, neutralizarem a força das massas urbanas que lhes eram hostis, trataram de aliar-se, especialmente no Nordeste, com os remanescentes do coronelismo. Desta forma, no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Pernambuco e na Bahia, ao recorrerem aos casuísmos eleitorais, ajudaram e fortaleceram as velhas oligarquias. Os generais de 1964, ao contrário dos tenentes de 1930, promoveram uma atualização do poder dos coronéis: o neocoronelismo. Unindo uma proposta de modernização da economia com as esdrúxulas práticas que remontavam ao Brasil arcaico, o país conheceu entre 1969-1979 um impressionante desenvolvimento econômico, simultâneo ao quase total fechamento político (o mais sufocante que o país conheceu desde os tempos do Estado Novo, entre 1937-1945).

O Carlismo


Antônio Carlos Magalhães

O Condestável da Nova República


Pelourinho, recuperado graças ao prestígio de ACM
Esta posição, esta virada do carlismo em favor da redemocratização, se bem que oportunista, granjeou a ele enorme estima e respeito por parte considerável da população, permitindo-lhe, em seguida à formação da Nova República, que fosse promovido às antecâmaras do poder como o condestável, o homem-forte dos sucessivos presidentes que desde então se sucederam (nos 15 anos seguintes, ACM foi ministro da comunicações no governo de José Sarney, eminência parda no governo do presidente Fernando Collor de Mello e o principal avalista do pacto do PFL-PSDB, que garantiu por duas vezes a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso). Ele sempre teve consciência de que o seu prestígio local devia-se ao apoio escancarado que ele dava a quem estivesse no comando executivo da União. Desta forma, se num primeiro momento trocou a sua fidelidade por favores prestados ao Estado da Bahia (polo petroquímico de Camaçari, verba para a recuperação do Pelourinho, a montadora da Ford), os analistas prevêem que o rompimento dele com as fontes das verbas federais terminará por secar, no futuro, a influência dele junto aos seus conterrâneos.

Coronelismo e Literatura

Como não poderia deixar de ser a literatura brasileira foi pródiga neste século em abrigar as façanhas e malvadezas dos coronéis. O mundo rural, violento e rústico, onde eles se moviam, mereceu copiosas descrições, e os "causos" em que eles foram participantes ativos viraram contos ou histórias dos romancistas e dos roteiristas das telenovelas brasileiras, quando não os próprios coronéis tornaram-se personagens centrais da obra (como no caso de São Bernardo de Graciliano Ramos, ou o do Coronel e o lobisomem de José Cândido de Carvalho). Notáveis descrições do cenário em que eles viveram e lutaram encontram-se no Os Sertões de Euclides da Cunha, e no já citado Grande Sertões: Veredas de Guimarães Rosa. Numa situação onde o autor assume a identidade do coronel para registrar-lhe as impressões, encontra-se no Memórias do coronel Falcão, de Aureliano Figueiredo Pinto. Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior expressão internacional, abordou o coronelismo em todas as suas facetas nos seus romances do chamado ciclo do cacau (São Jorge de Ilhéus, Cacau, e no popularíssimo Gabriela cravo e canela).
Com a fim do regime militar, marcado pela eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da república em 1984, um por um os coronéis foram sendo afastados da política, derrotados pelas urnas da democracia recém-reconquistada. Na Bahia, porém, isso não sucedeu. O cacique político local, o ex-prefeito e governador Antônio Carlos Magalhães (que fizera sua carreira política aplicando todos os truques perversos do coronelismo ao tempo em que servia como sustentáculo civil local ao regime militar), mudou de lado. Em 1984, num lance ousado e surpreendente, ACM rompeu com os militares e aderiu à campanha das "diretas já", que culminou no afastamento dos generais do poder. Talvez por ele ser um caso raro de coronelismo urbano (grande parte da sua fortuna e dos que a ele estão ligados está associada aos meios de comunicação e aos negócios industriais e imobiliários), ele mostrou-se mais ágil em perceber o significado das mudanças que se operaram naquela época. Representando a versão mais atualizada do coronelismo, ele de imediato rearticulou-se com a nova elite civil que substituiu os militares em Brasília. 

Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/coronelismo/coronelismo-2.php#ixzz1vcXhgUiP
 Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/coronelismo/coronelismo-1.php#ixzz1vcXKOjnZ

segunda-feira, 21 de maio de 2012

segunda-feira, 7 de maio de 2012

NOTAS DISCURSIVAS DIANTE DAS MÁSCARAS AFRICANAS


NOTAS DISCURSIVAS DIANTE DAS MÁSCARAS AFRICANAS
Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)
Artigo publicado na Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 6, p. 233-253, 1996. Apesar de ter sido elaborado entre 1982 e a data em que foi publicado, período já distante, tem sido útil ainda hoje para discussão junto a alunos e estagiários do MAE-USP. Esperamos que ele seja interessante também aos leitores deste site.
Resumo: Procuramos aqui discutir algumas idéias e conceitos correntes na abordagem de máscaras africanas em catálogos e exposições. Fora de seu contexto de origem, e integradas no universo das coleções, o que significam "máscaras-antílope", "máscaras representando um ser mítico"? Como poderíamos, em poucas palavras, explicar o que é "máscara ancestral"? Refletindo sobre isso numa perspectiva estético-antropológica, e na de quem as vê pela primeira vez, apresentamos vinte máscaras de madeira provenientes da África do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, inéditas em sua grande maioria.

Unitermos: Arte africana: estilística - Arte africana: tipologia - Antropologia - Escultura - Estética - Etnografia africana - História da arte - Máscaras: etnografia - Museus: coleções africanas.

Fora de seu contexto de origem, e integradas no universo das coleções, o que nos transmitem as máscaras africanas? O que significam "máscaras-antílope", "máscaras representando um ser mítico"? Como poderíamos, em poucas palavras, explicar o que é "máscara ancestral"? Nossas considerações são feitas sob duas óticas: a de quem observa e a de quem pesquisa; esta, se fragilizada pela falta da observação empírica, é fortalecida pela presença do imaginário, uma tentando amparar a outra, corrigindo distorções provocadas pela unilateralidade - seja ela mais à estética, ou mais à antropologia.

No MAE estão inventoriadas cerca de cinquenta máscaras africanas em madeira. Provêm de sociedades repartidas pelas divisas coloniais, que hoje se encontram em nove países da África ocidental (cf. mais sobre a Coleção e sua procedência em Salum & Cerávolo 1993). Selecionamos vinte delas para serem aqui apresentadas. Ainda que sem pretender dar conta da sua curadoria, peça por peça, nem do potencial científico dessa coleção, esperamos contribuir para a valorização cultural, histórica e artística desse patrimônio com que os povos africanos nos honram, e alimentar razão para que essas máscaras permaneçam entre nós.

Forma-função e tempo-espaço Conforme diz Paulme (1956: 114), "na ausência de uma datação exata, podemos ao menos distinguir duas épocas na escultura africana: antes e depois da colonização". Ocorre que nesse período, segunda metade do século XIX à segunda metade do XX, que chamamos de situação colonial (Balandier 1971), mesmo que nele tenham surgido formas novas, muitas produções tradicionais ou "pré-coloniais" permaneceram, ou foram feitas nos padrões tradicionais. Entre estas temos peças "muito antigas", "antigas" (talvez entre 60 a 80 anos) e "recentes" (35 a 50 anos); as recentes que contêm inovações de material e estilo poderiam ser chamadas de contemporâneas. A maioria das peças africanas da coleção do MAE são tradicionais. O problema da cronologia leva ao da funcionalidade: não basta ter sinais de uso para que a consideremos "tradicionais", nem "autênticas" (cf. a esse propósito Cornet 1975).

Aqui, propomo-nos a refletir, independente de serem antigas, "modernas", recentes, "contemporâneas", sobre qual é o tipo de olhar que resta às máscaras da África tal qual se apresentam nos museus, e qual o seu testemunho.

Iniciemos pela forma. Como encarar uma máscara como a representada na Fig. 1 - pela face, que, aliás, é o topo da máscara?

Fig. 1 - Máscara Gueledê. Grupo étnico: Nagô. País: Rep.Pop. do Benin. Recente. Provavelmente, um dos estilos contemporâneos. Comprimento: 39cm. Diâmetro da base: 27,5cm. Policromada (têmpera?) em branco, azuis, alaranjado. Coleção MAE-USP Inv. 77/d.4.347. Foto (vista de topo) e desenho (vista conforme uso): Lisy Salum.

Trata-se de uma peça registrada como "Máscara de Oxumaré, Geledé, '(...)" (conforme listas de inventário). Vemos no "crânio" da máscara uma cobra enrolada (ou plissada), que avança (ou evolui) estirando (ou pendendo) a cabeça paralelamente ao seu "rosto". Esse exemplar foi confeccionado, ao que parece, sob encomenda para fins didáticos (como é o caso das peças representando o processo de escultura desse tipo de máscara em exposição no MAE), havendo uma peça praticamente idêntica no Museu Afro-Brasileiro do Centro de Estudos Afro-Orientais-CEAO da Universidade Federal da Bahia (a formação desses dois acervos tem fortes relações históricas). As máscaras "gueledê", da associação feminina de mesmo nome dos Yorubá (Nigéria) ou Nagô (República Popular do Benin) não são faciais, nem propriamente "elmos", ou "máscaras-capacete": a maioria delas são, normalmente, feitas para serem colocadas no topo da cabeça, num plano quase horizontal, apenas cobrindo a testa (mais como um boné do que como um capacete propriamente dito). Confira um importante estudo dessas máscaras, cultivadas no Brasil e observadas nas primeiras décadas do século na Bahia, por Carneiro da Cunha (1983: 1014-1017). Cf. também Lawal (1983: 50-2), que as vê como "tentativa iorubá de lidar com os problemas de feitiçaria e controle social, usando a Arte como uma arma".

Há no MAE outros objetos pertencentes à categoria de máscaras que poderiam ser encarados com mais propriedade, pelo menos do ponto de vista formal, como "elmos". É o caso do "adorno de cabeça em forma de capacete com quatro figuras esculpidas" (conforme listas de inventário) dos Senufo (Costa do Marfim). As figuras não são do mesmo tamanho, nem iguais, e ainda que comportem grandes mamas, são assexuadas. Vem aqui representado na Fig. 2. Qual seria sua verdadeira face?

Fig. 2 - Topo de máscara. Grupo étnico: Senufo. País: Costa do Marfim. "velha e usada" (conforme listas de inventário). Altura: 34,5cm. Diâmetro: 21,5cm. Madeira escurecida (provavelmente patinada). Coleção: MAE-USP Inv. 78/d.1.6. Desenho e fotos (detalhes das quatro figuras): Lisy Salum.

Será que os africanos pensaram em fazer de suas máscaras - destas em forma de capacete - "armaduras para cabeça" (sentido original de elmo)? - Não nos parece exato pensar que, apenas pela forma, máscaras africanas do tipo elmo sejam "de proteção"; doutra parte, podemos verificar que máscaras bi- ou multi-faciais, do mesmo modo como algumas estatuetas da África tradicional, podem evocar algo relacionado se não à proteção, à defesa. A forma pode denunciar esse fenômeno, mas ele só pode ser argumentado diante de outros fatores concorrentes, como mitos e ritos relacionados à prática escultural, ou o uso e a função. Afinal, o que pode existir de ameaçador - ou de apaziguador -, ou de qualquer outro juízo de valor em simples objetos-máscaras, se não aquilo que nós projetamos neles? Desse modo, sendo a máscara capaz, como todo objeto de arte, de dizer o "indizível", podemos, por fim, nos questionar: a máscara revela ou mascara? O princípio dual na concepção da máscara representada na Fig. 3 significa pluralidade ou ambiguidade?

Fig. 3 - Máscara Gueledê. Grupo étnico: Nagô. País: Rep.Pop. do Benin. Tricéfala. Provavelmente miniatura (para crianças? emblemática?). Comprimento: aprox. 25cm. Coleção MAE-USP Inv. 77/d.3.59. Desenho: Lisy Salum. Foto: MAE-USP (Vista lateral 3/4 direita conforme uso).

Extrapolando a interpretação funcional da máscara vulgarizada entre nós (algo que dissimula, oculta), parece restar-nos a abordagem estética (algo mimético, que transpõe). Mas esta, distante do paradigma tradição-modernidade, se curva diante da omissão: as fontes da maioria das máscaras em coleção já estão praticamente perdidas de forma irremediável. No universo tradicional africano, as máscaras não se constituíam apenas do "rosto" ou da "cabeça" esculpida. Na verdade, para as populações de onde se origina, a máscara é o "mascarado", a "dança". O que chamamos máscara africana é apenas uma parte dela, aquilo que, nas coleções e museus, conseguiu-se preservar de um "conjunto multi-mídia" da máscara. Cabe aqui tomar por empréstimo a reflexão de Grimaldi (1983: 6): "o que a arte visa produzindo um objeto, não é o que ela visa assim [através dele] produzir. Mas é esse objeto que contemplamos (...)".

No entanto, a parte da máscara africana que recobre o rosto, ou o topo do crânio, era bem diferenciada. A ela eram atribuídos nomes especiais, e algumas sociedades, como os Guro (Costa do Marfim), chamavam-na pelo nome da dança em que era utilizada, ou, tendo como referência a matéria de que era feita, por yri, "madeira" (Kacou 1978: 77). O significado da madeira na escultura tradicional africana (cf. Salum 1996) reforça o direcionamento da apreciação das máscaras com vistas às relações natureza-meio ambiente-cultura.

A preocupação com esses níveis de alteridade, às vezes de forma distorcida, parece já cristalizada, tendo uma relação direta com parâmetros morfológico-estilísticos de interpretação estética. Apesar da configuração plástica de uma máscara africana ser eventualmente abstrata, ela não é necessariamente simbólica. Ela pode ser realista mesmo comportando distorções. Isso pode ser atestado no artigo de Wingert (1971), em que analisa o conhecimento de anatomia humana do escultor como fator de expressividade da máscara antropomórfica. Um exemplo clássico é o de máscaras dos Bayaka e dos Bapende do Zaire (cf. Petridis 1992); na coleção do MAE, máscaras dos Wobe-Guerê, Kran, Niabwa (povos contíguos da Costa do Marfim e Libéria), ilustram o problema. A máscara da Fig. 4 é "responsável pela manutenção da ordem social" (conforme listas de inventário), pertencente provavelmente a uma associação político-jurídica tradicional dos Niabwa, que possivelmente se estenda aos seus vizinhos.

Fig. 4 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Niabwa. País: Costa do Marfim. "antiga e muito usada" (conforme listas de inventário). Altura: 31 cm. Madeira policromada, pele animal, fibras. MAEUSP Inv. 78/d/1/9. Desenho: Lisy Salum. Foto: MAE-USP (perfil 3/4 esquerdo).

Esse abstracionismo geométrico que vemos com certa frequência nas máscaras antropomórficas da África tradicional, e nessas em particular, impressiona-nos de maneira diferente do que aquelas de animais, já que, como diz Leuzinger (1962: 103) a respeito dos traços da arte dos Yaurê (Costa do Marfim), elementos zoomorfos - chifres, pássaros - indicam "seres mitológicos". Mas a geometrização, acrescida dos materiais superpostos - como se vê na máscara da Fig. 4 -, pode inspirar-nos também esse paradoxo natureza-cultura. Referindo-se a uma máscara We similar a ela, Verger-Fevre (1982: 59) diz de "uma fisionomia tão afastada do humano que ela evocaria talvez algum animal fantástico."

No entanto, na escultura tradicional africana parece haver algo de relevante no abstracionismo das máscaras, mais notado nelas do que nas estátuas e estatuetas, talvez porque estas, sendo de caráter propiciatório ou comemorativo, apresentam uma concepção realista da figura humana, representando um ser humano, ou humanizado.

O talhe da ferramenta, os veios da madeira, os traços de pintura são recursos gráficos da escultura que parecem procurar sua visibilidade na máscara, se lhes fosse possível escolher entre essa e uma estátua; mesmo não sendo exclusivos dela, nela têm seu suporte preferencial. Esses recursos acentuam por vezes as "feições" da máscara, transformando-as, aludindo a seres pertencentes a um outro espaço, que não seria exatamente o "religioso", mas diverso do espaço cotidiano, da vivência sócio-ambiental concreta. Um é o espaço-concebido, o outro, o espaço-vivido - que Roumeguere- Eberrhardt (1963) sintetiza tão bem em populações bantu.

Esse exercício pode ser transposto, bem ou mal, à experiência estético-artística universal, à nossa própria experiência ao examinar as máscaras africanas. Na Fig. 5, vemos uma fotografia lateral de uma máscara dos Igbo (Nigéria), que parece ser do tipo Agbogho Mmwo ("máscara do primeiro espírito" ou "do espírito, ou ser, primordial" do inglês Maiden Spirit) vestida em funerais por membros da associação iniciática masculina, representando atividades femininas (cf. Willet 1995: 94-5). São máscaras cujas faces recebem uma pintura branca chapada, sobre a qual são, como que impressos, outros traços fisionômicos lineares em preto, alterando - ou reforçando? - os moldados pelo talhe. Dos planos e volume ao tratamento linear da superfície pode-se abstrair - é só querer - várias expressões, ou "feições" da máscara, ao gosto do espectador, conforme sugerem os desenhos que se seguem à foto.

Fig. 5 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Ibô. País: Nigéria. Altura: aprox. 35cm. Madeira policromada, base de pintura branca com traços pretos e vermelhos. Motivos decorativos esculpidos. MAE-USP Inv. 77/d.3.39. Desenhos: Lisy Salum (vista frontal e um dos esquemas gráficos possíveis da pintura facial sobre a máscara). Foto: MAE-USP (vista de perfil).

A mística do mito
Podemos ter em mente que os "seres" figurados nas máscaras eram tidos como do mesmo "espaço" dos heróis civilizadores, das divindades, dos antepassados e dignitários célébres da estatuária da África tradicional, com a diferença de que estes eram situados, normalmente, dentro de uma cronologia precisa. Conformando a idéia do ser primordial ou o fundador do grupo, a estatuária cultual tinha um valor representativo dentro de uma idéia de espaço-tempo localizador. De outro teor, a "experiência estética" que as máscaras africanas teriam possibilitado ao indivíduo que a vestia aproximava-os de uma "zona confinando o sobrenatural" (Leiris & Delange apud Grimaldi 1983: 15-16).

Mas não se pode marginalizar a atenção dada ao fato de que as máscaras, e mais especificamente as "associações de máscaras", eram, na África pré-colonial, e mesmo no período colonial, atuantes em todas as áreas da vida social. Da inspiração ao uso, as máscaras jogavam com a noção de temporalidade, compatível não apenas com o seu aparecimento ritual, mas também compromissadas com a de tempo-espaço, estabelecendo vínculo histórico entre passado-presente-futuro. Isso significa que partilhavam do tempo histórico, ainda que os seres nela figurados fossem atemporais, já que nem sempre eram reconhecidos na genealogia específica do espaço histórico. Equivale dizer que seriam seres de um "tempo mítico".

É isso que pode explicar porque duas peças provenientes da Costa do Marfim conservadas no MAE foram cadastradas como "máscara representando um ser mítico". Mas, na falta de informações complementares de contexto, temos diante de nós apenas as máscaras em si mesmas.

A primeira máscara, dos Baulê (Fig. 6), antropomórfica, de fino talhe e ricamente adereçada com cauris, cujo valor de adorno e prestígio social é bem conhecido, em particular nos povos da África sudanesa.

Fig. 6 - Máscara antropormórfica. Grupo étnico: Baulê. País: Costa do Marfim. "muito usada" (conforme listas de inventário). Altura: 32cm. Madeira esculpida, cauris. MAE-USP Inv. 78/d.1.13. Desenho: Lisy Salum. Foto: MAE-USP (vista de perfil).

Mas a segunda, dos Senufo (Fig. 7), é zoomórfica - e com chifres -, de feições rudes.

Fig. 7 - Máscara zoomórfica. Grupo étnico: Senufo. País: Costa do Marfim. "antiga" (conforme listas de inventário). Altura: 27cm. Madeira esculpida, pêlo animal. MAE-USP Inv. 78/d.1.19. Desenho: Lisy Salum (vista frontal 3/4 direito). Foto: MAE-USP (vista de perfil 3/4 direito).

Que seja ou não cultural, a sensação provocada pelo contraste entre o hieratismo de uma sobre o expressionismo da outra não explica o que elas têm de “mítico”. Elas mesmas não são míticas.

Diferentemente dessas, encontramos no MAE outras máscaras representando um "ser mítico", mas que não estão assim especificadas. Trata-se, por exemplo, de algumas máscaras "com chifres de antílope", cujo figurativismo, ainda que com graus de abstracionismo, nos distancia de impressões subjetivas.

O antílope é uma fonte de inspiração artística bastante frequente na África de uma maneira geral, especialmente nas sociedades que margeiam o norte e o sul da floresta tropical. É um animal de savana, uma zona de vegetação habitada predominante no Continente. Mas não é o único animal cornudo e de face oblonga e prognática que se vê representado na tradição escultural, em particular das máscaras, apesar da profusão de "máscaras-antílope" anunciadas em catálogos e publicações de divulgação.

Com essas características existem na coleção do MAE máscaras provenientes dos Senufo, Bambara, Dogon, Mossi, Bobo, Marka, Bamileke. Embora esses povos, com exceção do último, se situem em território de continuidade geográfica, há especificidades importantes das quais não poderíamos aqui dar conta, a começar pela questão de, em vez de antílopes, estarem nessas máscaras figurados cachorros, veados, búfalos, e, pássaros, entre outros animais - "bichos" ou "seres"?

Denominadas ora "esculturas-antílopes", ora "pássaros-antílopes" ou simplesmente "antílopes", as máscaras Tyi Wara tornaram-se uma iconografia clássica das sociedades agrárias. São máscaras que saíam sempre em par, atuando na semeadura e na colheita, entre o campo de plantio e a aldeia (cf. Imperato 1971).

Fig. 8 - Topo de máscara Tyi Wara. Grupo étnico: Bambara. País: Mali. Altura: 96,5cm. MAE-USP Inv. 77/d.1.11. Foto: MAE-USP (vista lateral 3/4 esquerda).

São representadas nas coleções e museus por "adornos de cabeça", como a peça dos Senufo da Fig. 2, mas preferimos chamá-las de topos de máscara, pois são complementadas por longas fibras, do alto aos pés dos "dançarinos", além de não serem máscaras faciais. O eixo (vertical ou horizontal) é acentuado pelo prolongamento dos chifres. Paulme (in Balandier & Maquet 1968) distingue três tipos formais associados a estilos regionais do território dos Bambara. O mais conhecido deles é o vertical, simulando uma crina com motivos geométricos vazados. O MAE conserva um exemplar horizontal e dois verticais: uma réplica miniaturizada e um original (cf. Fig. 8), "representando antílope macho" (conforme listas de inventário). Os verticais são normalmente considerados masculinos, e têm a "face" parcialmente (no bico ou focinho do animal representado) chapeada com metal com incisões geométricas. Os motivos decorativos, esculpidos ou forjados, assim como a pintura e a aplicação de metal são um recurso plástico muito usual não apenas em outras máscaras faciais dos Bambara, como também característico de uma máscara dos Marka (Mali e Níger), que, "disposta em pares", segundo Leuzinger (1960: 72), se prestam a "representar a côrte que um homem faz a uma mulher" (Fig. 9). Esta, que pode ser considerada uma "máscara-capacete", apresenta uma figura de queixo pontudo, cuja fronte possui dois prolongamentos pontiagudos esculpidos e quase paralelos. Eles podem aludir a um zoomorfismo, mas, na falta de outros dados, é mais prudente que sejam tomados como recursos de abstração figurativa e não temática.

Fig. 9 - Máscara. Grupo étnico: Marka. País: Mali. Comprimento: 34cm. Madeira, tecido, metal. Revestida de metal na parte inferior central; dois círculos de metal com textura pontilhada aplicados na fronte, bem como nas duas hastes laterais, onde há sobras de pano vermelho original. MAE-USP Inv. 77/d.1.49. Desenho: Lisy Salum (vista de topo). Foto: MAE-USP (vista lateral; conforme uso?).

Pode-se dizer que o tema do pássaro-antílope na escultura de máscaras, particularmente visto nas Tyi wara (Fig. 8), é mais ou menos generalizado nas confluências do atual Mali e Burkinafasso, reconhecido especialmente na plástica dos Bobo-Fing e Bwa, permitindo-nos apresentar aqui uma peça dos Bobo (Burkinafasso) cadastrada no MAE como "adorno de cabeça representando antílope-pássaro" (Fig. 10) - outra "máscara-capacete". Nela podemos observar, além da suposta identidade temática, uma similaridade gráfica-formal entre seus motivos pictóricos com os entalhados nas Tyi wara verticais.

Fig. 10 - Topo de máscara. Grupo étnico: Bobo. País: Burkinafasso. "Velha e muito usada" (conforme listas de inventário). Altura: 16cm. Madeira policromada. Motivos decorativos pintados. MAE-USP Inv. 78/d.1.8. Desenho: Lisy Salum (vista de topo). Foto: MAE-USP (vista frontal; conforme uso?).

O interessante é que tyi wara, originalmente, não é exatamente nem antílope, nem pássaro. Animal civilizador, ele é filho da terra e de uma serpente. Com garras e um bastão pontudo, ensinou-os a revolver e a cultivar o solo. Quando veio a abundância, os homens começaram a disperdiçar e Tyi Wara, decepcionado, enfiou-se na terra. A máscara, então, foi talhada em sua memória. Como um trabalhador incansável, a dupla de máscaras saltitava sobre o solo, à moda do ser mítico que lhe inspirou, numa dança que é "uma propiciação dos espíritos da terra perturbados com a atividade dos homens (...), ao mesmo tempo que um rito mágico de fecundidade" (Paulme in Balandier & Maquet 1968: 22).

A variação de elementos formais da máscara e a alteridade do personagem do tema-enredo afinal é antílope, pássaro ou serpente? - nos remete à Awa, associação de máscaras dos Dogon, que conjuga antílopes e outros animais. Encabeçados pela máscara Kanaga, ela "dança o sistema do mundo", usando uma figuração corrente na obra de Marcel Griaule, a partir da imagem da cerimônia do Sigui (de fertilidade e renovação de força vital) transmitida por seu informante Ogotemmêli: "é o sistema do mundo se movendo em cores" (Griaule 1966: 179-80).

Observa-se que dessas máscaras dogon, o MAE possui dois exemplares. Um deles é a Kanaga, que significa "pássaro", embaro sua forma tenha sugerido primeiramente, no Ocidente, uma "cruz de Lorraine" (), sendo às vezes assim chamada na literatura de divulgação. Ela pertence à associação funerária, ativa e registrada em anos recentes nos funerais que os Dogon renderam ao etnólogo Marcel Griaule, celebrizado pelo convívio durante décadas entre eles. O outro exemplar é uma "máscara de madeira cam chifre de antílope" (Fig. 12, abaixo à direita). Apesar da semelhança com máscaras dos Bambara - com quem de fato os Dogon partilham de uma mesma tradição plástica e cultural – ela tem tudo para ser um autêntico exemplar dogon, não apenas pelo estilo, motivos decorativos, mas sobretudo pelo tipo de talhe, e pelo procedimento técnico de corte e modelagem escultural. Mas ela não tem similar nos catálogos especializados, nem tampouco foi descrita na literatura específica (cf. Griaule 1963).

À esquerda: Fig. 11 - Máscara Kanaga. Grupo étnico: Dogon. País: Mali. Altura: aprox. 75cm. Madeira com manchas de pintura preta, encaixes e amarrações por fibras. MAE-USP Inv. 77/d.1.58. Desenho: Lisy Salum.

À direita: Fig. 12 - Máscara zoomórfica. Grupo étnico: Dogon. País: Mali. Altura: 69,5cm. Madeira escurecida. MAE-USP Inv. 77/d.1.1. Desenho: Lisy Salum.

Tudo isso para dizer que as máscaras Tyi wara dos Bambara, assim camo as da associação Awa dogon que "representam o mundo", tinham algo referente a uma consciência de espacialidade, que não é somente da circunscrição política ou da economia, mas do meio ambiente e do ethos cultural, muita própria à discussão dos mitos e das máscaras. Mas isso também nos leva de novo ao ponto de partida, colocando em dúvida todo esforço de interpretação, parecendo-nos, sobretudo, ser desnecessário "decifrar" a máscara - mesmo que saibamos: sim, é um antílope! - sem ter o "conhecimento local" a que se refere Geertz (1994).

O mito e a máscara
Para tentar refazer uma "leitura" de uma "máscara-antílope" a partir do objeto tomemos par base uma magnífica máscara da coleção do MAE (Fig. 13, ver abaixo). Ela provém dos Guro (Costa da Marfim). Essa máscara impõe-se pela precisão de talhe e acabamento, pela robusteza de formas e elementos, e pela policromia vigorosa. Cabeça de antílope; três escarificações ou cicatrizes na fronte; boca aberta, à maneira da de um réptil, guarnecida de dentes esculpidos. Ela se enquadra na tipologia de máscaras Zamble dos Guro estabelecida em Kacou (1978).

Fig. 13 - Máscara Zamble. Grupo étnico. Guro. País: Costa do Marfim. Altura: 38cm. Madeira polida, com policromia em vermelho, branco e preto. MAE-USP Inv. 77/d.1.57. Desenho: Lisy Salum (vista frontal conforme uso). Foto: MAE-USP (vista lateral 3/4 direita inferior, pela base).

O termo zamble de fato não é desconhecido na literatura especializada, designando máscaras similares a essa, ou com essa descrição (cf. Segy 1976, entre outros). Mas recorrendo mais uma vez à tipologia de Kacou (1978), encontramos uma segunda variação das máscaras Zamble: rosto humano encimado por dois cornos acima da cabeça e boca aberta; três tríades de escarificações verticais na fronte, e, sob os olhos, duas horizontais.

Parece claro que sendo cabeça de antílope ou rosto humano, a principal especificidade da máscara se encontra no termo zamble, sendo inevitável reportar-se de novo ao mito. Segue-se o resumo de uma lenda que trata da origem da máscara Zamble, conforme exposta em Kacou (1978: 78-9):

Um caçador se deslumbra com um ser da savana "veloz como uma pantera, inteligente como o Homem e elegante como um antílope". Inteligente e veloz que era seu alvo, o caçador consegue rendê-lo extenuado pela perseguição insistente, e aprisionou sua presa ofegante num esconderijo interditado. Mas a mãe do caçador, rompendo a interdição, foi ao esconderijo e viu o animal, motivo pelo qual o caçador a matou. Em seguida esculpiu uma máscara. A máscara teria a boca aberta, como que ofegante, aludindo ao mito. Chamou-a de Zamble, que significa "comedor dos bens de seu proprietário": ela foi feita para perpetuar a lembrança de sua mãe e do ser da savana. A partir de então, ao ser perguntado como corria o Zamble, o caçador-escultor, vestido com a máscara, imitava seus saltos, daí originando-se a dança Zamble, executada particularmente em funerais de homens sábios.

A semelhança entre os personagens Twi Wara e Zamble é fascinante: meio-homem, meio-animal, os dois seres civilizadores entram no "mundo dos homens" sob forma de máscaras. Mas é inevitável romper o devaneio, lembrar que um é "antílope-pássaro" e o outro é "antílope-leopardo" mas, sobretudo, que são máscaras claramente diferenciadas, de origens e sociedades diferentes, sendo providencial a reflexão de Lévi-Strauss (1979: 124): "(...) Uma máscara não é aquilo que representa, mas principalmente aquilo que transforma, isto é, o que escolhe representar. Como um mito, uma máscara nega tanto quanto afirma. (...)". Diferentes mundos de idéias interpretativas - da universalidade e da especificidade (nossa, dos Bambara e dos Guro) -, nos oferecem a possibilidade de tratar as máscaras como sistema de idéias e não sintomas, parodiando Geertz (1994: 146).

A máscara Zamble era usada, sob a égide de uma associação, em danças sagradas e em cultos funerários (Kacou 1978); Segy (1976) menciona outras ocasiões, como, à noite, para "caçar feiticeiros"; para Leuzinger (1961) "serve de máscara de guerra". Seria pertinente, aqui, evocarmos também o binômio natureza-cultura. Em um número especial sobre os Guro da Swissair Gazette, que inclui três artigos sobre máscaras de E. Fischer, entre outros, vê-se reproduzida uma notável foto de contexto da máscara Zamble (Fischer 1985: 27). Nela observa-se que "a indumentária da máscara conjuga materiais da floresta virgem (fibras, pele de leopardo) e da aldeia (pano tecido)".

O ponto de compatibilidade de todas essas atribuições da máscara poderia estar na noção de território, predominante na construção cultural de todos os setores emergenciais das sociedades africanas tradicionais, o que é especialmente assinalado no clássico de Evans-Pritchard (1978). Considerando o mito em que se origina, é natural dizer-se que a máscara Zamble engendra uma forma imaginária de "assegurar a vida coletiva em todas as suas atividades" (Laude apud Kacou 1978: 81), tendo em vista a importância da caça nessas sociedades agrícolas. Isso é reforçado pela economia pré-colonial dos Guro centrada na caça (Tauxier apud Kacou 1978). Isso explicaria as várias funções da máscara e também sua fonte de inspiração: da mesma forma que as Tyi Wara - sob forma de pássaro-antílope - se afinam ao tema da agricultura, as Zamble - sob forma de antílope-leopardo - remeteriam ao espaço da caça.

Mas não parece bastante relacionar o modelo econômico com o personagem mítico. No caso da máscara Zamble dos Guro, haveria de se considerar uma relação intrincada entre caça, guerra, agricultura, sistema de propriedade, parentesco, etc. E, finalmente, tudo isso pareceria mais significativo do que a própria máscara, especialmente tendo em vista, entre outros fatores, a importância da figura materna no mito, e o fato de a dança Zamble se dar ainda que "excepcionalmente no casamento de uma jovem da família [associação] Zamble para 'assentar' seu lar", segundo Kacou (1978: 78).

Observando uma nuance entre função, uso, e ocasião é interessante ainda notar que conforme informantes de Kacou (1978), a máscara teria tido duas "funções" consecutivas: só podia ser utilizada para "adorar", depois de ter sido usada na dança. Hoje é utilizada em festas populares, como registrou Segy (1976: 243), evidenciando-se outros caminhos de investigação, que não é mais do mito, mas da atualidade da máscara, muito mais um problema de uso e ocasião, do que propriamente funcional.

Isso não elimina seu papel de intermediação, como é o de outras máscaras. De acordo com Kacou, como foi dito, o uso primordial da Zamble seria funerário, o que nos faz retomar o tema da "ancestralidade" na plástica africana. Mesmo assim, independemente da razão tempo-espaço dessa "ancestralidade", ela resta - mais do que antílopes, leopardos e répteis - materializada na máscara. E é nesse nível que ela deveria se apresentar, viva, diante de nossos olhos.

É evidente que, em uma sala de exposição, como espectadores, não precisamos nos furtar, caso ele surja, de um "sentimento místico" diante dessa máscara, mas é certo também que, tomando conhecimento da sua história de origem, seremos capazes de usufruir muito mais do pensamento e existência do "outro" - que essa máscara concretiza - em vez de deleitarmo-nos num mistério diletante e ensimesmado. Esse exercício que a Antropologia traz à construção do conhecimento parece muito compatível com o papel da máscara africana nas sociedades tradicionais, de reprodução e de reciclagem do mito.

Antes de sabermos que zamble é nome de máscara, nome de dança e de "mascarado", e que tudo isso é inspirado em uma cena de enredo - num mito -, não seria de se estranhar que muitos de nós viéssemos a conceber essa máscara, como qualquer outra máscara africana, como fruto de religiosidade - mais "mística" que "mítica" - dissociando sistemas de crenças dos sistemas sociais. O tema não é inusitado e Lévi-Strauss (1976) nos ajuda a perceber que os mitos podem nos parecer tanto "sistemas de relações abstratas", como "objetos de contemplação estética".

Diante dessas máscaras somos obrigados a dicernir arte e mito, e não é por acaso que propusemos uma inversão da leitura a que estamos condicionados a fazer de uma "máscara etnográfica", por oposição a uma "máscara teatral". Tanto uma como a outra são necessariamente "cênicas", mas só podemos falar isso agora, depois de tentar integrar a máscara dentro de seu próprio contexto, mesmo que seja ele a parede da vitrine, desde que seja ele descontaminado de pressupostos.

O mito da mística
Não se pode dizer de predominância de feições zoo-antropomórficas na máscara africana diante de peças como a dos Dan (Costa do Marfim, Libéria e Serra Leoa), difundidas pelos artistas e críticos da Europa no início deste século. Foram renomadas pela combinação de planos côncavos-convexos. Delas o MAE possui apenas um exemplar (Fig. 14, ver mais abaixo, à esquerda), uma peça de menor rigor estilístico-formal se comparada à produção que lhes foi característica. Inspiraram obras como uma instalação-escultura assinada por Arman em 1972, que tem muito a ver com o nosso assunto. No mínimo extravagante, essa obra - que aglutina num bloco de poliester 26 máscaras autênticas e tradicionais dos Dan - intitula-se Accumulation of Souls, ou "Acumulação de almas" (cf. reprodução em Rubin, Vol. I, 1988: 81). Himmelheber (apud Verger-Fevre 1982) reconhece três categorias de mascáras dan na Libéria: as "de circuncisão", as "de função social e pacificadoras" e as "de divertimento". A máscara que está no MAE poderia enquadrar-se nas que são destinadas a proteger uma criança ou uma mulher que se muda em casamento (cf. Verger-Fevre 1982: 58). Nenhuma delas são "almas", "espíritos", nem propriamente "personificações".

Os Guro, apesar de serem reconhecidos através da máscara policromada Zamble, também produziram máscaras faciais antropomórficas e naturalistas. Apesar de sua origem não ter sido ainda estabelecida com precisão, eles teriam vindo do norte, em época anterior à instalação dos seus vizinhos Baulê no início do XVIII, de quem teriam tido o modelo, segundo vários autores, para criação de sua máscara facial antropomórfica. Temos um exemplo dela no MAE, de extrema simplicidade e beleza (Fig. 15, abaixo à direita). Ela expressa a serenidade do naturalismo das máscaras baulê-yaurê, tidas como comemorativas, ora identificando um estatuto social, ora usadas em ritos de culto de antepassados (Leuzinger 1961; Holas 1973; Segy 1976, entre outros), não deixando de ter um certo grau de personalismo. Talvez por isso a máscara guro do MAE tenha sido cadastrada como "máscara possivelmente mortuária".

À esquerda: Fig. 14 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Dan. País: Serra Leoa. Miniatura (para crianças? emblemática?). "Antiga" (conforme listas de inventário). Altura: 24cm. Madeira escurecida. MAE-USP Inv. 78/d.1.18. Desenho: Lisy Salum.

À direita: Fig. 15 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Guro. País: Costa do Marfim. "Antiga" (conforme listas de inventário). Altura: 31cm. MAE-USP Inv. 78/d.1.17. Desenho: Lisy Salum.. Na coleção do Museu há três exemplares baulê e dois yaurê, merecendo um estudo em separado, pela diversidade tipológica dentro do conjunto de mesma procedência (os Yaurê, um grupo étnico pequeno da Costa do Marfim, muitas vezes são tomados por seus vizinhos Baulê, ou como sub-grupo deles). Apresentamos breve descrição de cada uma delas, alimentando esse propósito.

O primeiro exemplar é uma "máscara miniatura" (Fig. 16, ver mais abaixo, à esquerda), com ranhuras no topo da cabeça, à guisa de um penteado. O rosto ovalóide, a fina definição dos elementos faciais e a polidez da superfície nos faz lembrar das máscaras dan, acima mencionadas.

Já citado no início (Fig. 6), no segundo exemplar destaca-se a decoração em fibras e cauris, que dão ar expressionista aos traços antes extremamente serenos quando da escultura original, se pudéssemos destituir da máscara o material que foi sobreposto à madeira esculpida.

O terceiro exemplar (Fig. 17, mais abaixo, no centro), finamente esculpido, é encimado por dois pássaros justapostos pelos bicos. Possui como o anterior um "tratamento decorativo", representando escarificações raciais típicas e outros signos gráficos na plástica da região como os zigue-zagues, entre outros.

De talhe mais delicado, o quarto exemplar (Fig. 18, abaixo, à direita) é também encimado por um pássaro, que se verga em direção à fronte da máscara. Circundando o rosto, vê-se esculpida uma serpente, cuja cabeça erige-se acima do topo da máscara. Essas duas formas, uma curvada para baixo, e a outra, em sentido helicoidal, para cima, garantem uma dinâmica dos elementos que compõem a máscara, enfatizando sua expressão hierática, típica dos ancestrais representados na estatuária.

À esquerda: Fig. 16 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Baulê. País: Costa do Marfim. Miniatura (para crianças? emblemática?). "Antiga com traços de uso" (conforme listas de inventário). Altura: 19cm. Policromia em vermelho, branco e preto nos olhos, nariz, boca e ouvido. MAE-USP Inv. 78/d.1.22. Desenho: Lisy Salum.

Ao centro: Fig. 17 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Baulê. País: Costa do Marfim. Recente. Altura: 24cm. Madeira escurecida. MAE-USP Inv. 78/d.1.21. Desenho: Lisy Salum. À direita: Fig. 18 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Yaurê. País: Costa do Marfim. Altura: aprox. 45cm. MAE-USP Inv. 73/10.3. Desenho: Lisy Salum.
O quinto exemplar(Fig. 19), como os anteriores, é uma máscara enquadrada por uma moldura de zigue-zagues e várias hachuras cuidosamente gravadas em baixo relevo no topo do crânio, onde se encontra assentada uma forma estilizada muito próxima à de um pássaro: uma massa trifoliada que vai se alongando em direção ao topo, quando se verga em direção à fronte abaulada da máscara.

Fig: 19 - Máscara antropomórfica. Grupo étnico: Yaurê. País: Costa do Marfim. Recente. Altura: 47 cm. Madeira com policromia escurecida. MAE-USP Inv. 78.d.1.12. Desenho: Lisy Salum. Foto: MAE-USP (detalhe superior, vista de perfil).

Esta última máscara é mais rígida e estática que as anteriores. É interessante que se observe a boca cilíndrica, vazada e proeminente: um sinal do "sopro vital"? Afinal sabe-se do quanto o poder da palavra falada é denotado na plástica africana, tendo por exemplo clássico as machadinhas de aparato, símbolo de prestígio dos escultores em sociedades tradicionais do centro-sudeste do Zaire (cf. descrição de um desses objetos em Hampaté-Bâ 1979: 17).

Mas é na decoração - facial e dos penteados - que é comum verem-se assinalados elementos do significado das máscaras yaurê e baulê. Vemos em KiZerbo (1979: 10), uma peça baulê muito semelhante à da Fig. 19, mas com o toucado em forma de disco: as ranhuras longitudinais simbolizariam "raios luminosos das divindades celestes", e a sucessão de pequenos triângulos em torno do seu rosto representariam "gotas de chuva".

Talvez parecesse precipitado do ponto de vista interpretativo, mas, numa apreciação formal, não seria descabido associar o cimo dessa última máscara à forma do pássaro Calao dos Senufo. Esse pássaro é sempre muito estilizado, e nele destacam-se o "bico fecundador" e a "barriga da futura mãe" (Holas 1978: 150). Representado em grandes esculturas formas polidas e arredondadas, assentado frontalmente e na vertical, seu corpo é constituído por uma grande massa ascendente que se alonga para então formar a cabeça da qual descende a haste formando o bico orientado ao ventre protuberante. Os Calao aparecem em quantidade em coleções apenas nos anos 1950, momento em que, segundo Herold (1989: 29), cultos iconoclastas se difundem entre os Senufo. Até então essas estátuas eram colocadas perto de aldeias, nos "bosques sagrados", acessíveis apenas a iniciados.

É oportuno que se diga que apesar dos Yaurê e dos Baulê, assim como os Guro atrás mencionados, sejam avizinhados há dois ou três séculos dos Senufo, todos são povos diferentes. Desse modo, se houver alguma convergência entre a máscara e a escultura, ela deve ser encarada, aqui, em princípio, como plástica e não étnica.

Foi essa imagem - a do pássaro Calao - que nos vinha quando descrevíamos o cimo da máscara yaurê (Fig. 19), e ao chegarmos à protuberância da boca, pareceu-nos impossível, como que reforçando símbolos da plástica senufo, deixar de lembrar da presença no MAE de uma peça muito importante, cadastrada como "máscara ancestral" dos Senufo (Costa do Marfim) que também tem um prolongamento cilíndrico configurando a boca (Fig. 20). É interessante que nessa máscara senufo também se observe o talhe, no mesmo bloco matriz e no topo, de uma figura feminina de ventre inflado. Essa figura, através da imagem de fecundidade, é perfeitamente compatível com a idéia de "sopro vital" construída a partir da configuração da boca, e ambos os fatores justificam, e podem explicar, o fato de ela ter sido cadastrada como do “culto de ancestrais".

Fig. 20 - Máscara zoo-antropomórfica. Grupo étnico: Senufo. País: Costa do Marfim. Provavelmente Máscara Kpeliê. "Antiga" (conforme listas de inventário). Altura: aprox. 45cm. Madeira pintada, tecido e cauris. MAE-USP Inv. 75/4.20. Foto M. Isabel Fleming (vista lateral 3/4 direita).

Infelizmente não temos dados específicos dessa máscara, a não ser sua proveniência. De fato, ela contém elementos formais-estilísticos de um tipo de máscara chamado "kpeliê" de origem senufo: dois pares de hastes voltados para cima e dois para baixo, uma aba trapezoidal de ambos os lados na altura das orelhas, além de um prolongamento cilíndrico da boca e do queixo e incisões de elementos gráficos.

De algumas informações sobre a ocasião de uso das Kpeliê - "festivais de fertilidade", "ritos funerários", proteção da aldeia (cf. Segy 1976) - destaca-se o fato de ela "representar o defunto", sendo a ela creditado o papel de "guiar o espírito ao território dos mortos". Mas não se podendo atestar a generalidade dessas informações, é mais conveniente que essas máscaras sejam consideradas "iniciáticas", como nos transmite os trabalhos de B. Holas. Segundo o autor, a máscara kpeliê toma diversas formas e nuances em diferentes agrupamentos senufo; ele nos dá um exemplo bifacial que considera "provavelmente resultado de uma contração funcional". Um sinal do apotropaismo (postura ou movimento de ataque e defesa) característico da estatuária africana?

Na análise estilística de uma máscara do tipo "kpeliê" a maior parte dos autores destaca que, como os componentes morfológicos da máscara, a decoração alude a formas de existência terrestre - homens e animais. As excrescências sobre o contorno são, de acordo com Himmelheber (apud Herold 1989: 30), remígios, retrizes e patas do Calao, e a fronte abaulada, perfaz sua garganta - seu colo? seu seio? Afinal, a máscara Kpeliê está, segundo Holas (1978: 92), sob a égide do Pássaro Calao que simboliza a natureza celeste, e participa de sequências de dança cuja finalidade é de lembrar as diferentes etapas da criação, e também "de contribuir com os movimentos do mundo, tendo como centro a noção de força vital."

Diante dessa citação, podemos considerar que não estivemos tão ao largo quando relacionamos a boca das máscaras senufo (Fig. 20) e yaurê (Fig. 19) ao "sopro vital". E não é que as ranhuras de uma máscara dos Yaurê poderiam ser, como depreendemos de Ki-Zerbo, da mesma natureza - celeste - do Calao dos Senufo? Ainda que no meio de sobrevôos geográficos e flutuações do imaginário (deles e nosso), o que é inevitável recuperar desse discurso é sua semelhança com o de M.Griaule sobre a associação de máscaras dos Dogon ... ela dança a marcha do mundo, ela dança o sistema do mundo...

E aqui, onde se encontra motivo para retomar a discussão sobre mitos, aparece a chance de prosseguir pelo viés da arte, e da máscara. Nesse ponto encontra razão a análise de Boas (1945) sobre os valores que ele atribui às artes plásticas e decorativas, se pudermos isolar da máscara o tratamento de superfície e, da estátua, o talhe estrutural. Nesse caso veríamos constatado que, na África, a produção tradicional de estátuas era mais representativa enquanto que a de máscaras era mais simbólica, muito embora restritos ao plano formal. O estudo de Jamin (1979) examina a precipitação de atribuir-se um caráter sagrado, e simbólico, a certas máscaras dos Senufo, que o autor encara como mais dramático, na qualidade que teriam como instrumentos alternantes entre a "ordem do rito e do religioso" e a do "teatro e da representação". Vai daí o caráter espetacular de algumas máscaras africanas que no plano social era mais "concreto" do que "simbólico".

É indiscutível, porém, que no centro disso tudo estava o Homem por quem e para quem a produção estética estava originalmente destinada. Os critérios de avaliação são diferentes e os de interpretação devem ser dialetizados (cf. a esse propósito o artigo de Borgatti 1982)

. Por isso, seria interessante se pudéssemos agora retomar a palavra mítico pensando num tempo imemorial, mas que se rememoriza, que se atualiza, cujo abstracionismo se revigora no real. Mesmo diante da força interpelativa das máscaras, talvez isso nos ajude a distanciar-nos, não das feras e da selva, mas de sua sedução, já que sua imagem não é "deles", mas nossa e estará sempre presente dentro de nós.

Poderíamos então compreender porque é tão corrente dizer-se que máscaras africanas representam um "ser mítico", dando-nos conta, ainda que por símbolos, da origem nuclear e dinâmica de nossa própria visão de mundo e da interferência do nosso imaginário na razão interpretativa. Isso, no mínimo, preservaria a integridade do elemento sensível da máscara na sua forma material.

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