terça-feira, 1 de março de 2011

Os bandeirantes (E se...)

E se não existissem os bandeirantes?

Por: Vinicius Cabral
     A melhor pergunta para o título é a seguinte: "Como seria o território brasileiro sem a interferência dos bandeirantes?", mas eu preferi adequar o título à coluna "
E se..." e preferi este título que está aí em cima. E ciente de que vocês entenderam a intenção da pergunta-título, vamos ao texto.
     Quantas vezes vocês já ouviram falar que o Brasil é um "país continental"? Com seus exatos 8.511.965 Km², o Brasil poderia abrigar facilmente em seu espaço geográfico dezenas de outros países. Realmente é muita terra.
     Mas nem sempre foi assim. No período colonial, logo após a chegada dos portugueses, o Brasil, ainda Terra de Vera Cruz e depois Terra de Santa Cruz, era limitado pelo Tratado de Tordesilhas, uma linha imaginária que passava a 370 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde e que dividia o continente americano entre portugueses e espanhóis. Todas as terras "descobertas" que estavam a leste desta linha eram posses de Portugal, e o que estava a oeste - a maior parte, diga-se de passagem - era domínio espanhol, como no mapa abaixo:
A linha amarela representa o Tratado de Tordesilhas.

     Os portugueses começaram a ocupar o território lá pelo ano de 1535, após a divisão das
capitanias hereditárias em 1534, mas essa ocupação ocorreu de forma mais consistente apenas no litoral. O interior, além de desconhecido, era uma grande mata fechada apinhada de nativos que muitas vezes não eram tão amistosos com os portugueses.
     Algumas pequenas vilas foram fundadas ao longo do século XVI, e muitas hoje são grandes cidades. Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo são alguns exemplos. E foi de São Vicente e São Paulo - na época pequenas vilas pertencentes à capitania de São Vicente - que partiram os principais desbravadores do que viria a ser o território brasileiro. Nós os chamamos de bandeirantes, e suas expedições aumentaram consideravelmente o espaço geográfico do Brasil.
     Mas para entender ou tentar explicar como seria o Brasil sem estas expedições, vamos falar um pouco dos bandeirantes.

Os desbravadores e seus vários objetivos:
     Os bandeirantes eram aventureiros que, financiados pela Coroa portuguesa - mas sem facilidades logísticas, lembrando que estamos falando de séculos XVII e XVIII -, adentraram no território brasileiro. A principal motivação para a Coroa apoiar estas expedições era financeira. No nordeste já tínhamos uma produção açucareira relativamente forte, mas no sul - onde hoje é a região sudeste - o solo não era tão propício a plantação de cana-de-açúcar. As entradas e bandeiras, nomes pelos quais ficaram conhecidas estas expedições, partiam do litoral paulista - principalmente da vila de São Vicente - rumo ao interior.

[
fonte]

    Além dos exploradores patrocinados pela Coroa, existiam também os bandeirantes que, de forma independente, buscavam os seguintes objetivos:

- Bandeiras de aprisionamento: tinham por objetivo capturar nativos e vende-los como escravos. Os bandeirantes costumavam basear-se próximos aos acampamentos e vilas fundadas pelos jesuítas, pois estes estavam interessados na conversão dos nativos e normalmente acabavam reunindo um grande número em sua volta.
- Bandeiras de mineração ou bandeirantismo prospector: o foco era a descoberta de metais preciosos. Normalmente estas expedições seguiam cursos de rios, duravam um tempo maior e foram as responsáveis pelas maiores entradas no interior do Brasil. No nordeste nós tivemos também bandeiras ocupadas em recolher as chamadas drogas do sertão, que na verdade não eram drogas como nós conhecemos hoje em dia, mas sim especiarias que não existiam na Europa, como o cacau, o guaraná e a castanha.
- Bandeiras de contrato: tinham objetivos diversos, que iam desde a captura de escravos fugitivos e futuramente descoberta e destruição dos quilombos, combate de populações nativas violentas à ocupação portuguesa, ocupação de novas terras e os dois motivos citados acima - mineração e aprisionamento. Coloquei esta modalidade separada porque algumas expedições eram contratadas pelos senhores de engenho, ao invés da Coroa, o que caracteriza uma bandeira particular.
     E como o Brasil era um grande espaço de terra povoado apenas por nativos que, segundo os portugueses, não tinham direitos sobre as terras, muitos espaços foram ocupados durante as expedições, e esta ocupação foi acontecendo de forma gradativa.     Nos caminhos por onde passavam os bandeirantes eram fundadas vilas que com o tempo cresciam ao receber novos moradores em busca de novas terras. Estes moradores, longe das facilidades das vilas mais antigas, atraíam mascates e tropeiros, aqueles comerciantes nômades que também ajudavam a aumentar o comércio interno da colônia, formando assim uma espécie de ciclo populacional que ajudava no aumento destas pequenas vilas.
     Quanto à cessão das terras, elas eram controladas pelos capitães donatários ou pelos responsáveis diretos pela capitania - lembrando que alguns capitães sequer pisaram em solo brasileiro - no sistema de doação de sesmarias, que durou até a época imperial.

Agora vamos dar uma olhada no mapa das principais bandeiras e começar a discutir a importância dos bandeirantes:

Clique na imagem para vem bem maior.


A ocupação do território brasileiro:
     Reparem naquela linha azul que sai do litoral paulista vai até a foz do rio Amazonas, em Gurupá, no Pará. É o caminho percorrido pelo bandeirante Antônio Raposo Tavares. Além de ultrapassar o Tratado de Tordesilhas e acompanhar o curso do rio Madeira e depois o rio Amazonas atrás de nativos e escravos fugitivos, Raposo Tavares também vai fazer outras expedições no sul e centro-oeste do Brasil. Além dele, Manuel Preto, Pascoal Moreira Cabral e Fernão Dias Pais também formaram expedições que percorreram as regiões sul e centro-oeste do Brasil. No centro e no nordeste tivemos as bandeiras de Bartolomeu da Silva, Borba Gato, Domingos Calheiros, Moraes Navarro, entre outros.
     Nas regiões mais ao centro da América do Sul os espanhóis já iniciavam o povoamento por conta das minas de Potosí, no Peru, e outros veios de prata encontrados próximo às regiões dos rios Paraguai, Uruguai e Paraná, onde foram fundadas vilas, como na região de Sete Povos das Missões, Guaíra e Xerez. Além da ocupação por parte dos garimpeiros também podemos citar os jesuítas, que já estavam atrás de nativos para converter ao catolicismo.
     Como já foi citado, gradativamente estas vilas atraíam mascates, tropeiros, comerciantes abriam pequenas lojas de secos e molhados onde vendiam de tudo, estalagens onde os viajantes podiam passar a noite também eram construídas. E estas pessoas respondiam à Coroa portuguesa! Temos que citar também o interesse dos portugueses em ultrapassar a linha imaginária, ainda mais após a União Ibérica, que teve início em 1580, quando portugueses e espanhóis respondiam à Coroa espanhola. Com o fim da União, em 1640, portugueses estavam ocupando livremente regiões espanholas e, é lógico, não estavam interessados em deixar o terreno.
     Para o historiador Jaime Cortesão, havia também uma diferença muito grande entre os nativos que viviam no futuro território brasileiro e os que habitavam a região da bacia do Prata até os Andes. Segundo ele,

"(...) o meridiano de Tordesilhas amputava com violência a vasta unidade geográfica e econômica, rodeada como uma ilha pelas bacias fluviais de Paraguai e do Madeira. O mesmo se pode afirmar acerca da humanidade indígena (os tupi-guarani e os aruaque) que a habitava e oferecia tão notável contraste cultural com os quixua e aimara dos planaltos andinos. Ou os espanhóis, baixando o Amazonas e seus afluentes, de um lado, e, do outro, subindo o Paraná, restabeleciam aquela unidade, expulsando os portugueses da sua legítima mas inviável faixa ocidental; ou os segundos, aliados aos antigos possuidores da terra e seguindo o caminho oposto, realizavam a unidade da grande ilha Brasil, amazônica-platina." [1]

Neste impasse os portugueses levaram a melhor, ocupando cada vez mais o território que, pelo Tratado de Tordesilhas, era espanhol.     Esta ocupação do território vai levar as duas coroas a um novo tratado, o de Madri, celebrado em 1750. O território brasileiro após este tratado ganhou estas fronteiras do mapa ao lado. Bem parecido com o Brasil atual, concordam?
     Outras áreas foram conquistadas e anexadas ao longo do tempo - como por exemplo o Acre, território boliviano anexado ao Brasil em 1903 - até o mapa atual que nós nos acostumamos a ver nos atlas. Mas com certeza o Brasil não chegaria a estas dimensões se não fossem os bandeirantes, os primeiros desbravadores do interior do Brasil.
     Eu gostaria até de entrar no mérito da discussão dos bandeirantes versus jesuítas e suas interferências no desenvolvimento das populações nativas, mas acho que neste texto não cabe esta discussão. Prometo que futuramente voltaremos a tratar desta discussão - que, aliás, dá pano-prá-manga e é bem interessante. Aguardem.

Referências:
[1] CORTESÃO, Jaime. Pauliceae lusitana monumenta historica. Citado no artigo "Conquista e ocupação da Amazônia: a fronteira Norte do Brasil", da pesquisadora Regina Maria A. Fonseca Gadelha, encontrado
neste link.

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