quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Imperialismo


O texto foi produzido para um curso de Implementação da História Africana na grade curricular escolar, mas acho que serve para esse o projeto da escola para o final de ano.

Quando ouvimos alguém falar sobre África, uma série de imagens e noções estereotipadas surge na mente. Isso é o resultado direto de uma construção social realizada de forma profunda em nossa formação histórica. Um processo marcado intensamente por visões raciais carregadas de pré-conceitos, oriundos de um passado colonial escravista, que procurava enxergar em um modelo eurocêntrico o direcionamento possível para o desenvolvimento de um ideal de nação construído pelas elites brancas escravocratas.

“Preto é tudo igual”. Infelizmente, esse é um jargão de pré-conceitos raciais que possui suas raízes em visões e concepções que foram construídas no decorrer de nossa história. Podemos ligar esse tipo de pensamento ao início do neocolonialismo europeu. Momento em que ocorre a equalização das necessidades ampliadas de matéria prima e de mercado consumidor para a potencialização do parque industrial europeu e uma promulgação do imperialismo já com os olhos estendidos para África e Ásia.

A justificativa para essa expansão aconteceu no campo ideológico, com a construção da idéia do “fardo do homem branco”. Termo conceitualizado no poema de mesmo nome do escritor Rudyard Kipling e adotado como uma espécie de justificativa nobre do Imperialismo. A imagem do homem branco forte, moderno, no auge da civilização humana, dominando diversas tecnologias e que por questões morais precisava levar essa “civilização” aos recantos mais distantes do planeta, onde os povos ainda viviam na barbárie, de forma primitiva como os seus longínquos ancestrais da pré-história.



Alguns mecanismos foram amplamente utilizados para a construção dessas idéias e desse ideal. Existe toda uma literatura engajada que em suas raízes passou a construir a imagem do explorador branco dentro das densas selvas africanas. Influenciadas pelas primeiras viagens exploratórias ao continente negro realizado pelo Dr. David Livingstone, um conjunto de personagens literários fictícios foram criados, influenciados muitas vezes por essa experiência, e que tentavam promulgar a imagem do homem branco civilizador (representante do ideal europeu) e o homem negro selvagem (representante desse imaginário africano) como seu contraste.

Entre os diversos escritores e personagens criados nesse período que adotavam em suas histórias fantásticas a ideologia do fardo do homem branco, podemos dar ênfase a um personagem que nos chega de maneira mais clara e peculiar através da mídia: Tarzan.



Na novela de Edgar Rice Burroughs de 1912, Tarzan, filho da aristocracia britânica, depois de ter seu pai assassinado por um gorila, é criado por macacos dentro da selva na costa africana e mais tarde, com o uso de sua inteligência e sua incrível capacidade de adaptação, ele se tornaria não só o rei dos animais da selva, mas o rei das tribos africanas com costumes estranhos que moravam naquele ambiente hostil. Vale lembrar que Burroughs nunca esteve na África e que as imagens que ele constrói nunca tiveram nenhum fundamento com a realidade.

Se esse tipo de literatura sempre foi amplamente divulgada em nossos meios, corroborando para a construções de um imaginário do continente africano que nos é muito cara, as chamadas exposições universais realizadas durante o século XIX serviram como espetáculo visual para uma celebração dessa modernidade européia burguesa e um aprofundamento dessas visões estereotipadas sobre a África. Elas seriam a porta de entrada e a afirmação da idéia de superioridade da burguesia européia em contraste com as diversas representações das demais áreas periféricas do globo.



Membros de tribos pigmeus apresentados dentro de jaulas, máscaras ritualísticas tribais e uma diversidade de frutas e produtos agrícolas exóticos dentro do emblemático pavilhão colonial “Esplanade dês Invalides” na Exposição de Paris de 1889, contrastavam com toda uma série de maquinários e inovações tecnológicas das outras dependências da Exposição. Era um imenso espetáculo visual que promovia, além dos valores burgueses europeus, a afirmação de uma crença da população em um crescimento continuo dos aspectos evolutivos, econômicos e científicos, desse homem tido como ápice da civilização humana e que olhava para as múltiplas e diferentes culturas com ares de excentricidades e a formação de uma necessidade de se restaurar o status quo por ele estipulado.

É nessa contrapartida que vemos a África idealizada ser arquitetada. A formação de um maniqueísmo entre o moderno e o primitivo, entre o civilizado e o selvagem, a riqueza e a pobreza tomam forma em contornos de um processo de valoração unilateral e predatório, que fundava uma tradição de desclassificação das culturas coloniais, com uma ênfase especial da africana.

No Brasil, a formação desse conjunto de visões estereotipadas sobre o continente africano, remonta suas origens em tempos coloniais, dentro de discursos políticos e religiosos que tentavam justificar de diversas formas a escravidão africana em nossos meios. A diversidade desses discursos apenas reforçava um viés de negação da multiplicidade étnica do continente africano bem como a negação de sua riqueza cultural. Essas falas sofreram uma congruência de forças na passagem do século XIX, com todo um ideário civilizador que nos foi impelido por condições que estavam sendo construídas nas regiões cosmopolitas da Europa industrial.

Desconstruir esse olhar estagnado é talvez um dos grandes desafios do educador contemporâneo brasileiro. Repensar as diversas realidades africanas que se encontram muito além dos livros didáticos é uma forma de colocar a cultura africana e afro-brasileira em seu devido lugar de destaque na sala de aula. Pensar e repensar o homem negro com uma valoração ativa como agente histórico. O reconhecimento começa ai.
Fonte: http://historiareflexiva.blogspot.com.br/2010/10/africa-imaginada.html

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