ASCENSÃO E QUEDA DO CORONELISMO
Coronéis da República Velha
O coronelismo foi um sistema de poder político que
vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado
pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente um
grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de
engenho próspero. Ele não só marcou a vida política e eleitoral do Brasil
de então como fez por contribuir para a formação de uma clima muito próprio,
cultural, musical e literário que fez da sua figura um participante ativo
do imaginário simbólico nacional. Não só os homens de letras procuraram reproduzir
em seus livros o que era viver sob o domínio de um coronel, como os feitos
e as façanhas deles foram transmitidas, a luz de velas, de lamparinas e de
lâmpadas, pela história oral do avô para o seu neto, fazendo com que quase
todo mundo soubesse de uma "história" ou "causo do coronel". Identificado
com o Brasil do passado, agrário, rústico e arcaico, ele ainda sobrevive em
certas comarcas e em certos estados do Nordeste brasileiro como o poderoso
"mandão local", uma espécie de velho barão feudal que, desconsiderando as
razões do tempo e da época, insiste em manter-se vivo e atuante.
Barões do café, antepassados dos coronéis
As Origens Remotas do Coronelismo
A Guarda Nacional, o cidadão em armas
O coronelismo institucional surgiu com a formação da Guarda Nacional, criada
em 1831, como resultado da deposição de dom Pedro I, ocorrida em abril daquele
ano. Inspirada na instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789,
a "guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o poder armado
dos proprietários que passaram a patrulhar as ruas e estradas em substituição
às forças tradicionais, derrubadas pelos revolucionários. Para ser integrante
dela era preciso pois ser alguém de posses, que tivesse recursos para assumir
os custos com o uniforme e as armas necessárias (200 mil réis de renda anual
nas cidades e 100 mil réis no campo).
Coronel, Sinônimo de Poder
Um mocambo, símbolo da pobreza
O governo da Regência (1831-1842) colocou então os postos militares à venda,
podendo então os proprietários e seus próximos adquirirem os títulos de tenente,
capitão, major, tenente-coronel e coronel da Guarda Nacional (não havia o
posto de general, prerrogativa exclusiva do Exército). Assim é que com o tempo,
o coronel passou automaticamente a ser visto pelo povo comum como um homem
poderoso de quem todos os demais eram dependentes. Configurou-se no Brasil
daqueles tempos uma clara distinção social onde os representantes dos dominantes
eram identificados pelo rango militar (coronel, major, etc..) enquanto que
os dominados pelo coronel o eram pela visível identificação genérica de "gente",
ou a zoológica "cria" (sou "cria" do coronel fulano).
Coronelismo, Caudilhismo e Caciquismo
Aparício Saraiva, caudilho platino
O coronelismo na história política nacional nada mais foi
do que a expressão brasileira de um fenômeno tipicamente ibérico, o do caudilhismo
ou do caciquismo. Toda a vez que na Península Ibérica, por
uma razão qualquer, o poder político central ficou abalado, enfraquecido,
deu-se a ascensão do chefe provincial ou local que adquiria expressão militar
e jurídica própria. O caudilhismo nasceu na Espanha medieval
em luta contra os mouros, quando um rei dava a um chefe militar ou um aventureiro
qualquer que o solicitava uma "carta de partida", que o autorizava a recrutar
homens e a arrecadar recursos para lutar na cruzada contra os homens do califa
muçulmano. Foram célebres as façanha de Cid, o campeador, que lutou e integrou
Valencia ao reino da Espanha no século XI, sendo desde então considerado como
a patriarca de todos os caudilhos que se seguiram.
A Geografia do Mandonismo Local
Coronéis de todos os tipos
O caciquismo é historicamente bem mais recente. Nasceu da
Constituição liberal adotada na Espanha de 1837, que ao outorgar um significativa
parcela de poder aos municípios, contra a posição centralista dos conservadores,
promoveu a emergência do cacique. Esta expressão de clara influência vinda
da América, serviu para definir a situação que um chefete municipal passou
a usufruir dentro do sistema político da monarquia espanhola desde então (desaparecido
com a implantação da Ditadura Franquista, entre 1936-1975).
Quanto à geografia desse fenômeno político, pode-se dizer que enquanto os
coronéis imperavam pelo Brasil afora, os caudilhos eram comuns
na América hispânica, especialmente na região do Rio da Prata, ficando o México
como o principal centro do poder dos caciques.
O Cenário do Coronelismo
Delmiro Gouvea, uma raridade
O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do
mundo rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho,
a fazenda e a estância. Um universo próprio,
interiorano, bem afastado das grandes cidades, isolado do mundo. As comunicações
eram raras e difíceis, feitas por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete,
ou na sela do cavalo, puxando os arreios da mula ou do jerico. Na verdade,
o coronel, personificação mais acabada do poder privado no
Brasil, mandava num pequeno país do qual ele era um imperador com poder de
vida e morte sobre os seus (ainda que não reconhecido juridicamente).
Os moradores eram-lhe inteiramente obedientes, poucos ousando desafiar-lhe
a autoridade ou disputar-lhe o mando, a não ser que por perto um outro coronel
o desafiasse. Praticamente ninguém ao redor dele era instruído, sendo comum
entre os considerados alfabetizados apenas saberem desenhar o nome no papel,
o suficiente para que se tornassem eleitores fiéis dos candidatos propostos
pelo coronel.
Estudos posteriores sobre o coronelismo, mostraram entretanto
que ele não se compunha apenas por proprietários de terras, havendo igualmente
coronéis com outra posição social, tais como o coronel-comerciante, o coronel-industrial
(o célebre Delmiro Gouveia, de Alagoas), o coronel-padre(como o padre Cícero
no Ceará, o mais famosos líder do catolicismo popular e ídolo dos sertanejos).
Escassez e Solidão
O feudo de um coronel
Materialmente o mundo dos coronéis era povoado pela escassez de tudo e pela
pobreza quase que absoluta, quando não miséria dos moradores, o que explica
a enorme dependência que todos tinham dele.
Ele era um pode-tudo a quem era preciso recorrer nas mais diversas situações,
sendo portanto compreensível que o coronel exigisse daqueles que se qualificavam
como votantes, o compromisso da fidelidade. Na ausência quase que absoluta
do Estado, era o coronel quem exercia as mais variadas funções, sendo simultaneamente
o detentor do poder político, jurídico e legislativo do município que lhe
cabia, fazendo com que sua autoridade cobrisse todos espaços daquela geografia
da solidão que era o seu feudo.
A Estrutura do Coronelismo
Um potentado em férias em Poços de Caldas/MG
Os estudiosos dividiram o coronelismo em três tipos; o tribal,
o personalista e o colegiado. O tribal
parece um patriarca de um clã, cujo poder se espalha por vários municípios
e deriva dele pertencer a uma família tradicionalmente poderosa.
O personalista deve tudo ao seu carisma pessoal, a ter certos
atributos que são só dele e são impossíveis de transmitir por herança, geralmente
desaparecendo com sua morte.
Por último, o colegiado, aqueles que são mais estáveis,
e que dirigem os negócios políticos em comum acordo com outros coronéis sem
que haja grandes desavenças entre eles. As bases do seu poder são:
a) A terra
Num país de dimensões agrárias tão vastas, a riqueza dos indivíduos era medida
pela extensão da propriedade. Logo era fundamental para a afirmação e continuidade
do poder do coronel ele possuir significativas extensões de terra.
b) A família
Ou a parentela, como prefere Maria Isaura Pereira de Queiroz, permitia ao
coronel por meio de casamentos arranjados ampliar o seu domínio, colocando
gente do seu sangue e da sua confiança em todo os escalões do poder municipal
e estadual.
c) Os agregados
A imensa quantidade de parentes distantes, compadres, afilhados e demais
protegidos do coronel, que ajudavam a estender o poder dele para fora da família
núcleo (a gente do seu próprio sangue), permitindo que sua autoridade se espalhasse
para regiões bem mais distantes do que a do seu feudo.
A Política do Coronelismo
O padre, o militar e o coronel, os três poderes do Brasil arcaico.
Os republicanos de 1889 ficaram surpreendidos pelo vigor do sistema coronelístico.
Apesar de ampliarem os direitos de voto, assegurando aos alfabetizados poderem
tornar-se eleitores, rapidamente verificaram que a universalização do sufrágio
não redundou no enfraquecimento dos coronéis. Ao contrário,
como os cidadãos votantes eram poucos (talvez os que soubessem ler e escrever,
um século atrás, mal atingissem os 20% da população inteira), facilmente eles
foram conduzidos pelos apaniguados dos mandões, especialmente no interior
do País, a comportarem-se com docilidade.
O voto de cabresto foi decorrência disso. O eleitor trocava o seu voto por
um favor. Este poderia ser um bem material (sapatos, roupas, chapéus, etc.)
ou algum tipo de obséquio (atendimento médico, remédios, verba para enterro,
consulta médica, matrícula em escola, bolsa de estudos, etc.). Esta placidez
obediente dos que tinham direito a votar fazia com que eles fosse integrantes
do curral eleitoral. Ao comportarem-se nas eleições tais como bois mansos
era inevitável que os considerassem como gente de segunda classe, incapaz
de reagir ao despotismo do manda-chuva.
Fraudes e Folclore
Os coronéis, enfim, fizeram o processo eleitoral republicano funcionar a
favor deles, colaborando para isso o fato do desaparecimento do poder unitário
(representado pelo imperador), em detrimento dos poderes regionais e, em seguida,
dos municipais. Para ampliar ainda mais o seu mando tornaram-se comuns práticas
ilícitas de manipulação eleitoral, tais como o eleitor-peregrino (o sujeito
que votava diversas vezes) ou o eleitor-fantasma (não davam baixa dos mortos
das listas eleitorais, permitindo que alguém votasse em nome deles, fazendo
deles "defuntos cívicos" que levantavam da tumba para irem até as juntas eleitorais),
e mais toda uma série de trapaças outras que pertencem ao riquíssimo folclore
político brasileiro.
Mecanismos de Poder
Para chegar ao povo votante, o coronel ativava o cabo eleitoral, alguém
prestativo do seu meio que, em troca de favores, assumia o papel de porta-voz
das inclinações eleitorais do coronel. Em outros acasos, convocava algum líder
local próximo para que também arrebanhasse os votos para o seu candidato.
O resultado das eleições quase sempre passava pelo crivo de um seu representante
no conselho eleitoral, alguém que, em seu nome, vigiava para que o resultado
final satisfizesse os partidários do coronel. Observe-se que a não existência
do voto secreto (adotado após a Revolução de 1930), facilitava o controle
sobre o eleitor, aumentando-lhe o constrangimento. A fraude, portanto, imperava
na época da República Velha, ela era, por assim dizer, a expressão acabada
do mandonismo dos coronéis, demonstrativo da impotência e das limitações da
democracia brasileira. Se nas cidades ainda funcionavam os empolgantes comícios,
o universo político do coronel movia-se pelo cochicho, pelo conchavo e pelo
cambalacho.
Instrumentos de Coerção: o Pistoleiro e o Jagunço
O rebenque, instrumento de "paz social"
O coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza
do tipo de dominação que ele exercitava implicava na adoção de métodos coercitivos,
ameaçadores, quando não criminosos. As linhas da violência dirigiam-se em
dois sentidos, no horizontal quando o coronel travava uma disputa qualquer
com um outro rival do seu mesmo porte, e no vertical, quando ele desejava
impingir alguma coisa aos de baixo ou que se negavam a aceitar a sua guarda.
Para o exercício efetivo disso, ele contava com dois elementos básicos: o
pistoleiro contratado para atuar a seu serviço, geralmente um capanga da sua
confiança, ou um grupo de jagunços, um bando de caboclos dedicados ao ofício
das armas que serviam-lhe como uma milícia privada, vivendo à sombra da sua
autoridade. Inúmeras vezes, como mostrou Guimarães Rosa (Grande Sertões: veredas,
1956) o mataréu brasileiro foi ensangüentado pela batalhas travadas por esses
exércitos de jagunços, atraídos pela aventura, pelos favores e pela macheza
do coronel que os comandava. Porque, como assegurou o seu personagem Riobaldo,
o sertão era tão bravo que "Deus mesmo, quando vier, que venha armado!"
A Pirâmide do Poder do Coronelismo
Souza e Mello, comerciante e dono de engenho
O Apogeu do Coronelismo
Senador Pinheiro Machado, morto em 1915
Ao legar ao seu sucessor um mecanismo político mais estável do que aquele
que herdara, o presidente Campos Salles fundou um sistema de troca de favores
que, partindo do executivo federal, espalhou-se pelo pais inteiro. De certa
forma aquilo que convencionou-se chamar de política dos governadores, implementada
em 1902, lembra, na sua simplicidade, o toma lá, dá cá, praticado nos antigos
reinos medievais. Naqueles tempos, os monarcas se sustentavam com o apoio
dos condes, estes dos barões, e assim sucessivamente até chegar-se ao vilão
ou ao pároco da aldeia, envolvendo todos eles num sistema mútuo de fidelidades
e compromissos. O presidente da república exigia que os governadores lhes
enviassem bancadas concordes com a sua política. Em troca, ele sustentava
as propostas regionais dos governadores (inclusive com apoio militar se fosse
preciso). Estes por sua volta articulavam-se com os coronéis do seu estado,
fazendo com que também eles mandassem para a assembléia legislativa na capital
do estado, deputados acertados com os interesses políticos do governador.
A Comissão de Verificação
Campos Salles (1898-1902)
Afim de garantir-se do cumprimento dessa política, o presidente fez com que
o Congresso por ele controlado instituísse a Comissão de Verificação de Poderes
(dizia-se que por sugestão do senador gaúcho Pinheiro Machado), formada por
cinco parlamentares com a função de apurar se os deputados eleitos nos estados
realmente estavam comprometidos em vir dar o seu apoio ao presidente. Para
a comissão, não havia maior significado o parlamentar ter recebido ou não
os sufrágios necessários, mas unicamente se ele estava disposto a cumprir
com o acertado entre o governador do seu estado e o presidente da república.
Isso é que explica porque o governador da Bahia, José Bezerra, ter dito, ao
redor de 1920, "ser eleito é uma coisa, ser reconhecido é outra". Frase que
é uma variação daquela outra atribuída a Pinheiro Machado, que assegurou a
um oposicionista "eleito o senhor foi, o que não vai ser é diplomado."
Um toma lá, dá cá
O centralismo de Vargas opôs-se ao coronelismo
Um enorme mecanismo de favores e contrafavores, principiando nas fraldas
de qualquer município brasileiro estendia-se assim, passando antes pelo palácio
do governador, até chegar ao centro do poder no Palácio da Guanabara do Rio
de Janeiro. Durante quase um trintênio esse sistema funcionou a contento.
Se pecava contra a educação democrática do povo, ao viciar completamente os
resultados eleitorais, trouxe pelo menos uma certa estabilidade invejável
à turbulenta e instável crônica política brasileira. Mesmo quando ele foi
sacudido pelas várias revoltas promovidas pelo Movimento Tenentista (em 1922,
1924 e 1926), ele mostrou-se hábil em sobreviver.
Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/coronelismo/coronelismo-1.php#ixzz1vcXKOjnZ
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