terça-feira, 22 de maio de 2012

República Velha

A República Velha

Prof. Leonardo Castro

     Os militares mantiveram-se no comando da República nos primeiros quatro anos de existência do novo regime. Foi o período dos governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, de 1891 a 1894.
     Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República, de inspiração liberal-democratica e que tinha como pontos principais: a divisão e indenpendência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); o regime federativo presidencialista; voto universal masculino não-secreto, com excessão dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos; igualdade juridica dos cidadãos (“todos são iguais diante da lei”); direito de propriedade; liberdade de crença, de associação e expressão; laicização do ensino público; separação entre o Estado e a Igreja; autonomia dos estados.

Texto e Contexto

“Sendo função social antes que direito, o voto era concedido àqueles a quem a sociedade julgava poder confiar a sua preservação. No Império, como na República, foram excluídos os pobres (seja pela renda, seja pela exigência da alfabetização), os mendigos, as mulheres, os menores de idade [menores de 21], as praças de pré (soldados e marinheiros), os membros de ordens religiosas. Ficava fora da sociedade política a grande maioria da população.
Algumas mudanças, como a eliminação do Poder Moderador, do Senado Vitalício e do Conselho de Estado e a introdução do federalismo, tinham sem dúvida inspiração democratizante, na medida em que buscavam desconcentrar o exercício do poder. Mas, não vindo acompanhadas por expansão significativa da cidadania política, resultaram em entregar o governo mais diretamente aos setores dominantes, tanto rurais quanto urbanos.”

(CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pp. 43-46.)

     Com a posse do paulista Prudente José de Morais na Presidência, em 1894, o poder passava das mãos dos setores militares para os políticos liberais. A base político-social desses políticos eram as oligarquias agrárias do Sudeste, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais, representadas por seus respectivos partidos, o PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido Republicano Mineiro).
     Daí até 1930 foram quase quatro décadas de hegemonia política dos dois partidos, PRP e PRM. A alternância no poder, que consagrou a hegemonia política dos dois estados, ficou conhecida como República do café-com-leite.




República do Café com Leite. Caricatura de Oswaldo Storni, sobre as eleições presidenciais de 1910.


     As elites paulista e mineira precisavam de apoio de outros estados para governar. Ao mesmo tempo, os partidos eram organizados de forma regional, em cada estado um grupo controlava o poder.
  Durante a presidência de Campos Sales (1898-1902), os acordos tornaram-se em um grande pacto de dominação, conhecido como política dos governadores. Tratava-se de um acordo para garantir o controle do poder, onde o presidente dava seu reconhecimento e apoio aos candidatos dos governos estaduais nas eleições regionais e recebia em troca o apoio desses governos ao candidato oficial na eleição presidencial. Além disso, os governos estaduais se comprometiam a eleger bancadas no Congresso Nacional que apoiassem a política do governo federal.



Café com Leite. Charge do desenhista Storni, Revista Careta.

     Em relação às eleições, vale lembrar que o voto não era secreto, como hoje. O eleitor votava sob o olhar do presidente da mesa eleitoral. Assim, o governo dominante em cada estado ganhava geralmente as eleições porque controlava todo o processo eletivo, desde o registro de eleitores e candidatos até a apuração dos votos, o reconhecimento e a diplomação dos candidatos eleitos por meio da Comissão de Verificação de Poderes, no Congresso Nacional, que era uma comissão especial controlada pelos governistas que estavam no poder que analisava se o eleito era a favor ou contra o governo, se fosse contra era impedido de tomar posse, isto se chamava de degola.
     Para esse mecanismo de controle funcionar, era preciso do apoio dos chefes políticos regionais e locais, os coronéis, que garantiam o voto dos eleitores de sua área de influência aos candidatos governistas.
     Os coronéis eram os líderes políticos do interior, geralmente grandes proprietários de terras, mas entre eles havia também comerciantes, médicos, padres ou advogados. Eles eram a base de sustentação política das oligarquias, representantes e beneficiários do governo estadual nos seus municípios. Controlavam a política nas suas localidades com a autoridade recebida do partido republicano, com poderes para obrigar o eleitorado a votar nos candidatos por ele indicado. Seus métodos de ação eram o clientelismo, ou seja, a relação de dependência entre o eleitor e o coronel por meio de proteção e favores aos clientes (emprego, escola, etc.), e a força bruta.



O voto de cabresto, charge de Storni, revista Careta Rio de Janeiro, 1927.

Texto e Contexto

“Para os amigos pão, para os inimigos, pau...; aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei.”
(Expressões usadas por chefes políticos da República Velha, citadas por Victo Nunes Leal em sua obra Coronelismo, enxada e voto. p. 39.).

     O sustentáculo da estrutura oligárquica era o pacto entre as elites agrárias, isto é, a política dos governadores. O mundo que deu origem a essa política era o agrário rural. Este teve dificuldades para lidar com os problemas nascidos do processo de crescimento das cidades e do aparecimento de camadas sociais desligados do mundo rural.
     O crescimento urbano criou demanda e tensões que o pacto oligárquico não resolvera. Por exemplo, as camadas médias e populares das cidades exigiam maior participação política e melhores condições de vida e de trabalho. As oligarquias não estavam interessadas em atender tais reivindicações. A resposta era invariavelmente o uso da força, as questões sociais tornaram-se em caso de policia.
     Na área rural, o empobrecimento da população e a luta pelo uso da terra, tendo como resposta a brutalidade dos coronéis e o descaso do poder público, deram origem a conflitos como o de Canudos e do Contestado. 
     Nas cidades, o clima era de modernização, mas esta não beneficiava a maioria da população. Não havia leis de proteção ao trabalhador nem legislação trabalhista, e a melhoria da infra-estrutura nas cidades não beneficiavam a maior parte da população. Tal situação levou a agitação operária e a conflitos urbanos, como a Revolta da Vacina.

Texto Complementar

Voto de Cabresto
    Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras.
     Esta ascendência resulta muito naturalmente da sua qualidade de proprietário rural. A massa humana que tira a subsistência das suas terras vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. (...) o roceiro vê sempre no “coronel” um homem rico, ainda que não o seja; rico, em comparação com sua pobreza sem remédio. (...) É, pois, para o próprio “coronel” que o roceiro apela nos momentos de apertura, comprando fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas mesmas condições, para outras necessidades.
     O trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. (...) O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.
     Há ainda as despesas eleitorais. (...) São, pois, os fazendeiros e chefes locais quem custeiam as despesas do alistamento e da eleição. (...) Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos, e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e comparecimento.
     É, portanto, perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe é completamente indiferente.
(LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975. pp. 19-39.)

Eleições na República Velha

     Duas falsificações mais importantes dominavam as eleições da Primeira República: o bico de pena e a degola ou depuração. A primeira era praticada pelas mesas eleitorais, com funções de junta apuradora: inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos, e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena toda-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos. A segunda metamorfose era obra das câmaras legislativas no reconhecimento de poderes: muitos dos que escapavam das ordálias, isto é, das fraudes nas mesas eleitorais, tinham seus diplomas cassados na provação final pela Comissão de Verificação de Poderes, que determinava se um candidato eleito podia tomar posse ou não.

(LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975. pp. 229-230.)


Fonte:http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/republica-velha.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário